quarta-feira, 2 de março de 2011

Pequena reflexão sobre a Supressão doutrinária do consumismo sobre a ascese religiosa cristã.


Considerando o Capitalismo não apenas como um Modo de Produção econômica tão somente, mas principalmente como uma ideologia que molda toda a estrutura objetiva e subjetiva dos indivíduos e, conseguintemente, da sociedade como um todo, com suas práticas embasadas principalmente no consumo – desnecessário, muitas vezes –, tenho percebido, principalmente nestas últimas décadas, o mesmo penetrar a subjetividade dos indivíduos de tal forma que tais atores sociais demonstram, através de suas práticas, supervalorizarem tal ideologia em detrimento dos valores e princípios religiosos ensinados pela doutrinação religiosa que professam; que ensinam (a doutrinação), dentre muitos outros, o não consumo exorbitante e o estilo simples de vida, do ponto de vista material.

Pelo fato dos jovens – do ponto de vista de algumas correntes da Psicologia – estarem em fase de construção do caráter, se constituem os alvos mais comuns dos “ataques” da ideologia capitalista, acabando por se renderem e, conseguintemente, introjetarem seu valor.


Faz-se necessário, primordialmente, tratar sobre o conceito de consumo adotado para esta reflexão. Para Featherstone (1995), “o consumo tem como premissa e expansão da produção capitalista de mercadoria que deu origem a uma vasta acumulação de material na forma de bens e locais de compra e consumo” (p. 31). Tal expansão não seria possível se não houvesse uma ideologia por trás do ato de consumo per si que convencesse os sujeitos sociais a se enquadrarem em seus princípios e "doutrinas". O capitalismo não teve como método primordial o convencimento através de sua ideologia, para posteriormente moldar os comportamentos e estabelecer os hábitos de consumo nos sujeitos sociais; tal convencimento veio de forma prática, paralela, seduzindo e introjetando hábitos e costumes nos indivíduos.


Tais hábitos são retroalimentados quando as mercadorias em si viram instrumento de mediação de status, diferenciação e conservação social, como formas de se inflacionar as diferenças e as distâncias com outras classes mais baixas da hierarquia sócio-econômica de sua sociedade local. Tendo como premissa a coisificação do humano, esse mesmo princípio macroestruturado tende a interfirir significativamente em todas as esferas micro em que o indivíduo possa estar, nas sociedades capitalistas. Daí a sua expressiva interferência na religião – demonstradas nas comunidades religiosas cristãs em que os sujeitos estão inseridos – chegando mesmo a resignificar os valores que, à princípio, no âmbito religioso, deveriam ser formados pelos ensinamentos que lhe apraz. O que era para ser um lugar de adoração a Cristo (divindade), onde comportamentos e pensamentos deveriam ser todos eles voltados com este único fim, passam a estar perdendo terreno para o estabelecimento, diferenciação e exibição do status social, através de seus bens de consumo no seio das igrejas. Assim, as mercadorias são usadas como forma de se distinguir, bem como para se criar vínculos sociais com outros sujeitos que congregam a mesma comunidade religiosa, sendo (os bens), desta feita, por demais significantes na decisão de escolha de seus vínculos sociais.


Conforme Baudrillard, isso causa uma falência nas relações humanas, onde o apego às coisas se torna mais significante do que as próprias pessoas. As coisas tornam-se instrumentos balizadores nas relações interpessoais, determinando não apenas o tipo de relação, bem como elegendo o tipo de pessoa a quem quer se relacionar.


Uma outra proposta conceitual pertinente é a da pós-modernidade, não tomando o pós como uma supressão total da modernidade, mas sim como uma nova forma de exigências - principalmente no mundo do trabalho – que se fazem no mundo atual, aumentando assim a disparidade entre as classes econômicas. Para tratar sobre o conceito, não há como esquecer de Zigmunt Bauman, que julga a pós-modernidade não apenas incapaz de ser propiciadora de sentidos, bem como a principal fomentadora da angústia dos homens na atual sociedade. Isto porque corresponde à característica da pós-modernidade, uma sociedade marcada pelo capitalismo pós-industrial, consumo exacerbado, movimento constante, efemeridade e fragilidade dos laços afetivos entre as pessoas. O impacto desses fenômenos nos relacionamentos afetivos interfere nas relações transformando-as “em amores líquidos”, motivada pela efemeridade das relações, fruto nada mais e nada menos do que a efemeridade dos sentimentos, característicos da pós-modernidade. Esta característica pode interferir sobremaneira nas relações entre membros e congregados de uma mesma comunidade religiosa, onde os laços se tornam mais afrouxados, quando a mercadoria passa a ser a principal modeladora e determinante nas relações pessoais. Os sentimentos que muitas vezes são também moldados pelos ensinos religiosos (fundados dentre muitos outros ensinos, no altruísmo e no amor ao próximo), passam a não apenas ter suas amarras afrouxadas, bem como a ser suprimida pelo apego às coisas e não mais às pessoas, como de fato deveria. Ainda sobre o conceito de Pós-modernidade, devemos nos lembrar de Huyssens quando o mesmo diz que…

“…o que aparece num nível como o último modismo, promoção publicitária e espetáculo vazio é parte de uma lenta transformação cultural emergente nas sociedades ocidentais, uma mudança de sensibilidade para a qual o termo ‘pós-moderno’ é na verdade, ao menos por agora, totalmente adequado. A natureza e a profundidade dessa transformação são discutíveis, mas transformação ela é. Não quero ser entendido erroneamente como se afirmasse haver uma mudança global de paradigma nas ordens cultural, social e econômica; qualquer alegação dessa natureza seria um exagero. Mas, num importante setor da nossa cultura, há uma
notável mutação na sensibilidade, nas práticas e nas formações discursivas que distiguem um conjunto pós-moderno de pressupostos, experiências e proposições do
de um período precedente”
(A. Huyssens, 1984, “Mapping the post-modern”. New German Critique, No. 35, pp. 5-52, Apud Harvey,1996:45).

Assim, há um reconhecimento por parte do autor – e conseqüente convencimento de minha parte – de que há uma mutação na sensibilidade e nas práticas da presente época, onde tal mutação seja fruto mesmo da pós-modernidade. Como arcabouço de conceitos e teóricos que discutem o tema, temos em Anthony Giddens a idéia de que a globalização é uma continuação de tendências postas em movimento pelo processo de modernização que teve início na Europa do século XVIII. A modernização substituiu as formas de sociedades tradicionais que eram baseadas na agricultura, e que nunca estanca no tempo, mas continua em seu processo de movimento, perpassando pela industrialização, informatização e etc. Vale salientar que as substituições (alterações) não se dão apenas no âmbito objetivo, material, mas interfere significativamente na subjetividade do sujeito e, conseguintemente, em suas formas de se relacionarem.

Enfim, a ideologia do consumo suprime a doutrinação cristã ao ponto de colocá-lo em segundo plano (não por iniciativa da igreja e de seus líderes) mas pelos seus próprios membros, que assim o fazem desintencionalmente.