quinta-feira, 12 de março de 2015

EM PRIMEIRA PESSOA




Perdi a capacidade de pensar. Já fui inteligente, eu sei. Estou totalmente destreinado para a atividade de pensar. Não consigo ter a mesma visão de mundo, atrofiei. O que antes saía naturalmente, hoje demora; e quando a ideia nasce, nasce atrofiada.

sei falar de mim, pura prova de que não sei mais falar de nada exterior a mim. Sinto o desejo de escrever, mas só sai na primeira pessoa. Estou preso em mim, porque nunca me libertei para o que está fora de mim. Não sei se isso é bom ou ruim. Se uma fase, ou egoísmo. Acho que egoísmo. Uma forma mínima de egoísmo, mas não deixa de ser. 

Isso mostra meu vazio intelectual, minha pequenez, minha limitação. Não sirvo para nada, não sei de nada.

Quando quero falar de algo exterior a mim, isso se torna sacrificante, pesado, me deixa amargurado. Típico pós-moderno, preso em seu mundinho, cuidando das fronteiras de sua ilha e destruindo os binóculos que avistava a solidão alheia.

Até quando falar de mim ajudará o próximo? Seres vazios não ajudam, não tem nada para ensinar. A bem da verdade, eu preciso de ajuda. Não consigo me libertar de meu vazio.

Cristo foi altruísta, porque tinha o que ensinar. Aquele que tem conteúdo ensina; quem não, porque não há conteúdo suficiente para ensinar. Cristo ensinou e não cessou de ensinar. Uma fonte de conhecimento e sabedoria. Tudo o que me falta.

Procurei meios institucionalizados e alternativos para iniciar os passos deste caminho, mas não tem jeito... “volta o cão ao seu vômito, e a porca lavada volta a revolver-se no lamaçal”.

Quanto mais me aprofundo, mais me perco e conclusão alguma chego a respeito de nada e nem de mim mesmo. Nada de útil flui de mim. Nem para falar de mim mesmo sirvo. Isso me angustia e sequer me molda. Beirando à depressão.

Chegar a tais conclusões me deixam sem ânimo e me direcionam para as derrotas da vida. Talvez a única serventia seja me preparar para o pior.

Vejo os vitoriosos que me cercam e contemplo neles um olhar para fora de si, sempre se lançando para algo que contribua com o bem estar social. Tomei o caminho inverso e não consigo arrepender-me. Não deveria existir. Quem não contribui, que não viva!

terça-feira, 10 de março de 2015

Episódios





“Um episódio não é a consequência inevitável de uma ação precedente, nem a causa do que virá em seguida” (Bauman in Kundera, 2004, p. 70)*.

Esta frase me parece por demais generalizante. Não creio que os fatos sejam dissociáveis de experiências de outrora. Há, óbvio, no cotidiano, ações – ou mesmo discursos – não concatenados com fatos precedentes, por mais que isso possa contrariar os materialistas históricos e analistas de discursos. Porém, generalizar é um erro gritante.

Creio que somos aquilo que construímos, mesmo à contragosto e longe do que idealizamos para nós. Nossos atos dizem mais de nós àquilo que pensamos de nós. Somos nossos rastros nos vários terrenos pelos quais passamos. Não compactuo com a ideia de que somos o “agora”, e que as experiências passadas construiu-nos; não dissocio o “fomos” do “somos”, apenas somos. Alguns hábitos podem ter sido deixados para trás, pensamentos à respeito de assuntos pontuais e exclusivos podem ter sido substituídos pela posição antagônica – ou mesmo radicalizados –, e quiçá a própria essência do caráter tenha sido significativamente transformada. Porém, ainda assim, somos.

Somos as várias máscaras que vestimos ao longo da vida; elas podem ser exteriores a nós, frutos da determinação sócio-cultural, ou mesmo da desigual luta contra essa macrodeterminação, afinal de contas somos seres históricos – locais, finitos e temporais – mas também podem ser máscaras construídas, como uma maneira de encarar a realidade.

Destarte, os episódios são o terreno que calçam nossa existência. Muitos são construídos (forjados), outros nos surgem de supetão e exigem de nós uma resposta imediata, que certamente virá de acordo com as experiências construídas, ou seja, daquilo que fomos lá trás e que novamente seremos no presente – mesmo que de maneira diferente de outrora, levando em conta as lições aprendidas.

* Bauman, Zygmunt. Amor líquido - sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2004.