quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Escuta meu clamor!


Logo no prefácio do livro Retorno à Santidade, de autoria do Dr. Gregory Frizzell, duas frases complementares me chamam à atenção: "Nunca houve um tempo na história da igreja quando o corpo de Cristo precisasse tanto de purificação como agora, no início do século XXI [...] a igreja de hoje é caracterizada pela indiferença, falta de compromisso...". Coincidentemente (ou não), agora a pouco, li um artigo do Pr. Paulo Barbosa, intitulado de Que Tipo de Animal?, onde o autor usa a linguagem figurada e compara alguns animais e suas características mais peculiares, relacionando-os com a vida de muitos cristãos; e que trata do mesmo assunto. Eis o trecho que mais me chamou a atenção: "Alguns membros de igreja empacam como uma mula no que diz respeito à obra do Senhor, mas, são astutos como uma raposa quando tratam de seus próprios negócios". Que grande verdade! Vou mais além. Digo que a esmagadora maioria dos crentes de hoje preocupam-se mais com o seu bem-estar, à obra do Senhor! Estive, temporariamente, enriquecendo essa maioria enquanto estava empregado. Por experiência própria, infelizmente, confesso que meus pensamentos, emoções e conversações estavam totalmente voltados para a empresa e seus problemas. Esfriei na fé e no amor; e muito me preocupa a declaração do Senhor Jesus quando disse: "que nos últimos dias o amor de muitos esfriarão". Não quero estar neste "muitos" quando Ele voltar! Peço a Deus que Ele me ensine a amar, a cada dia mais e sempre - e sei que preciso!
Tomei conhecimento, hoje, que, possivelmente, irei me ocupar "de uma das coisas deste mundo", novamente, na semana que vem. Bom por um lado, pois tenho pedido isso a Ele. Mas desta vez quero que seja diferente. Desta vez tenho que estar vigilante para que eu possa transformar "a coisa deste mundo" em bênçãos para mim e para os que me cercam. Tenho que ter em mente, sempre, que as riquezas deste mundo terão fim, e que preciso acumular riquezas nos céus, "onde traça, ferrugem e ladrões não destruam".
Deus, se esta porta estiver sendo aberta pelo Senhor, que ela ajude no meu crescimento espiritual acima de qualquer outra coisa! Escuta meu clamor!

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Sobre Representações Sociais.


No meu entendimento, toda e qualquer discussão no âmbito das Ciências Sociais, Políticas e Psicologia Social resume-se em Representações Socias. É um conceito caríssimo para mim. Portanto, merece uma reflexão à respeito.

Ao nosso entendimento, começamos à tratar de Representações Sociais, pois entendemos ser ela um espaço de construção da realidade que cerca o indivíduo, bem como trata-se, também, de um espaço que constantemente é construído por realidades inovadoras no espaço social do indivíduo, bem como pode ser construído por indivíduos que cheguem ao mesmo espaço, com visões diferentes da realidade e que podem interferir decisivamente na sua visão (construção) do mundo que o cerca. Somos, ao mesmo tempo, construtores e construções – não acabadas – da realidade que nos cercam. Tal afirmativa dar-se ao fato de sermos também alvos do olhar inquiridor do outro que pertence, ou não, de seu ciclo social. Tal contínua construção tem como base a realidade histórica vivida pelo ator social. Os valores – quer religiosas, familiares, ou de uma outra comunidade qualquer –, a situação sócio-econômico, bem como a educacional e as conversações são, ao nosso ver, os condicionantes sine qua non que irão determinar a visão do mundo que vão nos acompanhar no decorrer de nossas vidas. Porém, isto não quer dizer que tal visão de mundo é algo acabado, sem nunca receber modificações. Devemos sempre nos lembrar que o Ser Humano é um ser inacabado, um Ser sempre em construção, um Ser social e, como tal, sempre aberto a receber conscientemente e de maneira constante as modificações provenientes do mundo que o cerca. Mais à diante, iremos ver algumas conceitualizações à respeito de representações Sociais e tentaremos abrir discussões sobre o tema ao qual esta reflexão pretende.

Começaremos por Durkheim, por ser ele o autor que primeiro trabalha com este conceito. Para ele, o termo se refere a categorias de pensamento através das quais determinada sociedade elabora e expressa sua realidade. Podemos considerar esta elaboração da realidade como alicerce em que vão sendo construídos, através dos tempos, todas as outras ideologias e culturas que serão acrescentadas neste inacabado edifício da Representação Social. Durkheim vai advogar que este alicerce é onde sempre vai ser conservada a marca da realidade onde nascem, mas que também vão se reproduzir e se misturarem, tendo como causa outras representações e não apenas a estrutura social. Aqui queremos destacar este lado moldável das Representações Sociais. Ao mesmo tempo que existe uma base/alicerce, outros “tijolos e cimentos” sociais são colocados e misturados nesta base fazendo com que haja uma modificação – portanto, não completa – das visões e interpretações à respeito das situações circuvizinhas, bem como da realidade como um todo. Para Durkheim, esta base/alicerce das representações são o “substrato social”, porém, vai advogar também sua autonomia relativa. Para ele, algumas, mais que outras, exercem sobre nós uma espécie de coerção para atuar em determinado sentido. Dentre estas se destacam a religião e a moral, assim como as categorias de espaço, tempo e de personalidade, consideradas por ele como representações sociais históricas. Desta feita, podemos ver que uma ou umas esfera(s) de nossa existência pode(m) afetar mais do que outras na construção que fazemos da realidade. Como vimos, Durkheim considera a religião e a moral como os principais condicionantes, bem como as representações sociais históricas. Ao nosso entender, não é qualquer experiência fugaz que afeta nossa visão de mundo, mas somente aquelas em que lidamos no dia-a-dia, quer sejam elas impostas ou de nossa preferência. São, por nós, consideradas como mais sólidas, as mais significativas, que tem o poder de construção contínua, mesmo que seja por um determinado tempo. Portanto, não estamos aqui excluindo a possibilidade de que um evento único e efêmero possa trazer em si um poder de mudança. O que dizermos então de indivíduos que abandonam uma vida religiosa que herdaram dos pais para seguirem uma outra religião antagônica à sua, ao assistirem uma única vez a uma manifestação de culto de sua então nova religião? O que dizermos então de pessoas que passam boa parte de suas vidas crente em uma determinada teoria e que, ao assistirem uma única palestra abandonam por inteiro tal teoria? Não estamos aqui sacrificando o poder de transformação que tais eventos trazem em si, apenas dizemos que comparativamente aos de longa duração, eles quase que não tem significância. A convivência, por si só, constrói paredes mais altas, mais densas, difíceis de serem derribadas ou transpostas; mas não impossíveis.
Ainda em Durkheim, podemos ouvi-lo dizer que
“...as representações coletivas traduzem a maneira como o grupo se pensa nas suas relações com os objetos que o afetam. Para compreender como a sociedade se representa a si própria e ao mundo que a rodeia, precisamos considerar a natureza da sociedade e não a dos indivíduos. Os símbolos com que ela se pensa mudam de acordo com a sua natureza (...). Se ela aceita ou condena certos modos de conduta, é porque entram em choque ou não com alguns dos seus sentimentos fundamentais, sentimentos estes que pertencem à sua constituição”.

Aqui podemos ver da forma mais clara possível um dos conceitos mais importantes trabalhados por Durkheim: o da coercitividade social. Este conceito nos mostra a necessidade de pensarmos o indivíduo sem deixar de levar em consideração – e na visão do autor o mais importante – a influência social e o que ela construiu no indivíduo. Se alguma conduta choca-se com seus sentimentos é porque nunca antes tinha sido construído socialmente tal pensamento ou sentimento. Achamos louvável da parte de Durkheim quando ele usa o termo “sentimento”, pois não somente as dimensões cognitivas e sociais estão presentes na noção de Representação Social, mas também a dimensão afetiva. O caráter simbólico e imaginativo desses sabores traz à tona a dimensão dos afetos, porque quando sujeitos sociais empenham-se em entender e dar sentido ao mundo, eles também o fazem com emoção, com sentimento, e com paixão. Assim, vemos se tratar de um “todo” construído na vida de uma sociedade e, conseguintemente, na de um indivíduo, e não apenas algumas dimensões da vida de um sujeito social. Tal coercitividade é completa, atingindo o indivíduo por inteiro e não apenas parte dele. Diante de tal realidade não há mesmo como pensar o sujeito (a parte) sem pensar o todo. Isto porque o indivíduo não é apenas um instrumento transformador da sociedade, é, também, um produto social, alguém cujas características são dadas pela sociedade e pela cultura em que está inserido. Há quem defenda que até mesmo características julgadas como exclusivamente pessoais são nada mais e nada menos que fruto do meio, interpessoal. Podemos perceber isto ao analisar o sonho, quando Robert M. Farr vem nos dizer que “embora os sonhos sejam pessoais a quem os sonha, eles não permanecem assim no contexto da Psicoterapia. O Pessoal se torna Interpessoal. O conteúdo dos sonhos é influenciado pela cultura de quem os sonha. A forma (isto é, o visual) e o conteúdo dos sonhos são reflexos sobre o indivíduo, daquelas representações coletivas que eram objetos de interesse tanto para Wundt como para Durkheim”. Tal afirmativa vem apenas para comprovar tal completude da coercitividade social, mostrando seu poder de influência mesmo em uma esfera que ultrapassa ao da consciência, ou seja, o da subconsciência.

Portanto, é na esfera pública, enquanto lugar de alteridade, que se fornece às Representações Sociais o terreno sobre o qual elas podem ser cultivadas e se estabelecer. Por ser um lugar de alteridade, nada mais comum do que haver choques entre várias e diferentes correntes interpretativas, quer no campo das ciências, da religião, das artes, de relacionamentos, enfim, onde existir o humano há ali a alteridade. Vários são os campos sociais, como bem nos diz Bourdieu, e nelas há o espaço da alteridade, resultando na disputa pelo poder simbólico em cada campo. Tal pluralidade humana faz com que as ações e os discursos tornem-se necessários.
“Se nós fôssemos todos idênticos não haveria a necessidade de comunicação ou da ação sobre o que nunca varia; [...] É na experiência da pluralidade e da diversidade entre perspectivas diferentes – que, porém, pode levar ao entendimento e ao consenso – que o significado primeiro da esfera pública pode ser encontrado”.

E, como esfera pública, podemos aqui entender, o “mundo mesmo”, na medida em que é comum a todas as pessoas e que se diferencia do espaço privado de cada um dentro dele. Desta feita, a esfera pública estabelece as fronteiras que tanto ligam como separam as pessoas, que tanto as une como os impede de tropeçar umas nas outras. Vale salientar que, de fato, a esfera pública é mesmo diferenciada da esfera privada, pois segue uma lógica própria. Embora o todo seja composta pelas partes, mas a união destas partes faz com que haja uma lógica própria. Embora o todo seja composto pelas partes, mas a união destas partes faz com que haja uma lógica singular, que chega mesmo a independer das lógicas das partes individuais. É o que nos diz Durkheim em seu estudo clássico sobre o suicídio, que aquilo que ele chamava de fatos Sociais somente poderia ser explicado em termos de outros fatos sociais. Assim, pode-se ver que métodos de investigação da Psicologia – excetuando a da disciplina Psicologia Social – nada podem fazer para interpretar os fatos sociais; e que somente à Sociologia compete tal avaliação.

Ainda refletindo sobre o espaço público, podemos ver que tal esfera existe em função da pluralidade humana, como espaço que se sustenta em função de diversidade humana. Numa rápida tentativa de nos aprofundarmos na análise do espaço público, podemos trazer para o centro de nossa análise a dialética entre o “um” e o “outro”. Por que quem sou “Eu” se não o “eu” que outros apresentam a mim? Como bem vem nos dizer G. H. Mead (1934) sobre o “outro generalizado”, que dá ao sujeito sua possível unidade enquanto Eu, e não há possibilidade de um desenvolvimento do Eu sem a internalização de Outros. Aqui, mais uma vez, podemos ver a importante interferência do meio (todo) sobre o indivíduo (parte). Nossa imagem é compartilhada como um outro espelho na vida cotidiana – a face de um Outro, os olhos de um Outro, o gesto de um Outro. Estamos, desta feita, sempre à mercê das interpretações alheias, e elas nos são por demais importantes, pois o nosso Eu, nossa essência, não restringe seu significado a nós tão somente; mas diz respeito e, principalmente, ao outro. O significado dado pelo outro é o que há de mais importante, pois no âmbito da esfera pública a imagem a ser refletida não será a auto-imagem, mas sim a imagem refletida no espelho do outro, ou seja, o olhar do Outro. É neste sentido, e dentro da mesma lógica, que Winnicott diz que é da diferença, no sentido pleno da palavra, que o Eu humano se desenvolve, porque “quando se fala do homem, se fala dele enquanto resultado de suas experiências culturais. O todo forma a unidade”. Dentro da visão Winnicottiana, essa formação vem desde o primeiro encontro do indivíduo com outros. Esse encontro assegura as bases para a confiança no meio e para as primeiras experiências relacionais, onde a comunicação e mais tarde linguagem vão ocupar um lugar central, pois é através da linguagem que as representações sociais serão divulgadas e compartilhadas entre si, representações estas que serão formadas – principalmente na fase inicial da vida – através de símbolos.

São através dos símbolos que coisas diferentes podem significar umas as outras e podem mergulhar umas nas outras; elas permitem uma variabilidade infinita, e, ainda assim, são referenciais. Assim, é da essência da atividade simbólica o reconhecimento de uma realidade compartilhada – a realidade de outros. Tal reconhecimento da realidade compartilhada faz com que haja um enriquecimento no “acervo” simbólico dos indivíduos. Este “acervo” irá garantir que o entendimento do outro – mesmo parcial – facilite (ou não) o seu relacionamento com os outros. É na construção da simbologia, e estas compartilhadas através da comunicação e da linguagem, que as relações são construídas e, através desta interação, que as Representações são intercambiadas – entendido aqui fica o simples fato que a própria interação já é, por si só, intermediada por Representações Sociais.

A própria formação do símbolo para se entender o mundo que o cerca é uma construção mental do ator social, e não se trata de construções rígidas, imutáveis, mas sim de representações que vão se desenvolvendo – ou até mesmo substituídas – à medida que o indivíduo também se desenvolve (amadurece) socialmente e mentalmente. Esse é o caráter imaginativo e construtivo, que a faz, de certo modo, autônoma e criativa. Porém, tal autonomia não é completa, pois os “elementos que estruturam a representação advém de uma cultura comum e estes elementos são aqueles da linguagem”. Mas esta relativa autonomia é exatamente a capacidade de dar às coisas uma nova forma – que constitui uma Representação. É uma forma de mediação entre o sujeito e o objeto-mundo. Este último reaparece sob a forma de representações, re-criado pelo sujeito, que, por sua vez, é ele mesmo também recriado pela sua própria relação com o mundo. Vale salientar que a substância, ou o conteúdo do qual as representações são feitas, são símbolos.

É na relação com o mundo que um “novo mundo” de significados são construídos. De um lado, é através das relações com os outros que as representações têm origem mediando o sujeito e o mundo que ele, ao mesmo tempo descobre e constrói. De outro lado, há nas representações símbolos “que são pedaços de realidade social mobilizados pela atividade criadora de sujeitos sociais para dar sentido e forma às circunstâncias nas quais eles se encontram”. Isto quer dizer que o sujeito psíquico não está nem abstraído da realidade social, nem meramente condenado a reproduzi-la. Assim, as representações sociais são um fenômeno mediador entre o indivíduo e a sociedade. Tal mediação encontra-se embebida nas comunicações e nas práticas sociais: diálogo, discurso, rituais e etc. Como estão contidos nas práticas sociais, as representações sociais vão além do trabalho individual do psiquismo pois, como estamos falando em representações “sociais”, devemos analisá-lo considerando enquanto totalidade, ou seja, o social envolve uma dinâmica que é diferente de um agregado de indivíduos. Isso porquê as leis que englobam a constituição de uma estrutura não podem ser reduzidos à soma de seus elementos separados. Ao contrário, elas dão à totalidade propriedades distintas das propriedades de seus elementos. Desta feita, podemos compreender que as representações sociais não são um agregado de representações individuais, da mesma forma que o social é mais que um agregado de indivíduos.
“Assim, a análise da representações sociais deve concentrar-se naqueles processos de comunicação e vida que não somente as engendram, mas também lhe conferem uma estrutura peculiar. Esses processos, eu acredito, são processos de mediação social. Comunicação é mediação entre um mundo de perspectivas diferentes, trabalho é mediação entre necessidades humanas e o material bruto da natureza; ritos, mitos e símbolos são mediações entre a alteridade de um mundo frequentemente misterioso e o mundo da intersubjetividade humana; todos revelam, numa ou noutra medida, procura de sentido e significado que marca a existência humana no mundo”.

São através destas mediações sociais, em suas diversas formas, onde são geradas e compartilhadas as representações sociais; espaço para aprendizados comuns, onde todos são alunos e professores concomitantemente. A comunicação em si pode ser considerada o giz da grande lousa da vida, pois é através dela que são escritas na nossa vida as diversas maneiras de se enxergar e interpretar o mundo que nos cerca.

Um outro lado das Representações Sociais merece atenção neste momento. Elas podem ser vistas como uma estratégia desenvolvida pelos indivíduos para enfrentar a diversidade e um mundo que, embora pertença a todos, transcende a cada um individualmente. Desta feita, elas são consideradas um espaço de fabricação comum, onde cada sujeito vai além de sua própria individualidade para entrar em domínio diferente, porém relacionado: o espaço público. Assim, elas não são apenas frutos da mediações sociais, mas são, elas próprias, mediações sociais. É o espaço do sujeito na sua relação com a alteridade, em busca da interpretação do meio, bem como ajudando na construção do mesmo mundo.

Para a construção deste espaço, é condição sine qua non que cada indivíduo utilize-se, sem ele mesmo se conscientizar disto, os sítios simbólicos de pertencimento. Tal conceito é trabalhado por pelo pensador marroquino Hassan Zaoual, que vem nos dizer que se trata de um espaço, de um “marcador imaginário de espaço vivido. Em outros termos, trata-se de uma entidade imaterial que impregna o conjunto do universo local dos atores”. Em sua visão, o sítio é sempre singular, porém, pode ser aberto – suscetível à diversas trocas culturais em que se mantiver contato –, ou fechado – mais peculiar às sociedades mais simples. Dentro destes sítios, estão contidas as crenças, conceitos e comportamentos que se articulam em torno de um sentido de pertencimento. Porém, devemos ter o máximo cuidado para não confundirmos este sítio (espaço) com o espaço geograficamente delimitado, onde se encontra o indivíduo. Embora o indivíduo seja local, este sítio simbólico é formado por diversas combinações que, no mesmo tempo, se amalgamam vários mundos em múltiplas dimensões. Uma sociedade moderna, portanto, contém, em si, uma diversidade de sítios cujas características decorrem do fato de pertencer a classes, grupos, redes, bairros, religiões e etc. Esta diversidade de sítios é, ao mesmo, fonte de conflito e de enriquecimento; uma sociedade moderna é, na verdade, um macrossítio que contém em si, diversos microssítios e, por sua vez, diversas representações sociais. Como o próprio indivíduo é o próprio intérprete de seu mundo e de sua situação, ele assim o faz com todo o peso simbólico em que foi influenciado em sua vida e com todo o peso de seu passado. Como o próprio autor do conceito nos diz,
“o conceito de sítio é ‘flexível’. Pode aplicar-se em múltiplas escalas e organizações [...]. Tais entidades empíricas podem se combinar de diversas maneiras e dar lugar a macrossítio contendo uma pluralidade de microssítio, e assim por diante. É preciso então situar, em cada caso, o nível de aplicação da noção”.

O que de mais importante podemos compreender de “sítio simbólico” é que ele porta-se como uma verdadeira bússola”, orientando os comportamentos individuais e coletivos; o que de fato irá dar o sentido em que os indivíduos atribuem ao seu próprio mundo. Em sintonia com o autor, nos atentemos para o fato de que a hibridação, fruto da mundialização e do encurtamento de suas fronteiras através dos diversos meios de comunicação, faz com que este sítio simbólico fique quase que constantemente aberto, contribuindo assim para o seu enriquecimento simbólico, porém, e ao mesmo tempo, ao enfraquecimento de suas bases de pensamento e, consequentemente, das interpretações de seu mundo e das situações que o cercam. Mas ainda assim este sítio é considerado seu lugar de encontro e ancoragem, pois contribui para “a integração das organizações sociais e dos indivíduos que as compõem. O sítio é antes de tudo uma entidade imaterial, um espaço cognitivo que estabiliza o caos social”. Para ajudar na estabilização, e contribuindo que o sítio torne-se um lugar de ancoragem, estão as crenças – frutos das atividades cognitivas dos indivíduos. Tais crenças estruturam as práticas e, por sua vez, estas produzem fatos correspondentes. Não é demais dizer que nossas práticas são frutos de nossas crenças, sobretudo na crença de si próprio, de nossas interpretações, das correntes filosóficas e/ou religiosas, e/ou científica, da moral em que adotamos ou deixamos ser adotados. Desta feita, nenhum conhecimento do social pode ser totalmente separado dos valores e das crenças que anima os fatos e os gestos dos atores de um dado lugar. “O homem é incrivelmente um ser crente. A necessidade de sentido e de direção pode ser motivo para fazer isto ou aquilo”.

Um outro ponto de vital importância e que merece ser discutido nesta reflexão, encontra-se em dois dos autores mais importantes nas discussão de Representações Sociais. Tratam-se de Moscovici e Jodelet; o primeiro reconhece a dupla face que as Representações Sociais possuem em ser, ao mesmo tempo, estruturas estruturadas e estruturas estruturantes – termos pegos emprestados em Bourdieu. Quando se fala que o sujeito é um sujeito social, estamos falando do âmbito estrutural do indivíduo. Jodelet vem corroborar com esta afirmativa quando fala que
“um indivíduo adulto, inscrito numa situação social e cultural definida, tendo uma história pessoal e social [...] não é um indivíduo isolado que é tomado em consideração, mas sim as respostas enquanto manifestações de tendências do grupo de pertença e/ou afiliação na qual os indivíduos participam”.

O sujeito, enquanto estrutura estruturada, nada mais é que o fruto de seu meio, fruto dos pensamentos e manifestações políticas e culturais que o cerca. Afinal de contas, quando nascemos a cultura já existe, e somos automaticamente enquadrados nela. Correspondemos, e espera-se que de fato sejam correspondidas as nossas ações ao mundo e suas peculiaridades históricas e culturais que nos cercam.

O outro lado da face das representações sociais expressa a sua característica intra-individual, uma característica dotada de poder de transformação da realidade social. O sujeito não é e não pode ser visto apenas como mero reprodutor do meio, ele tem sim poder de transformação de sua realidade através das interpretações do seu meio. Esta interpretação não é apenas fruto da lógica e da cognição, mas também de elementos afetivos, sociais, da linguagem e da cultura como um tudo; o que não quer dizer que não haja no indivíduo capacidade de discordar, de não se afeiçar de algum elemento cultural ou ideológico, mas até o simples fato de não gostar de algum elemento cultural de seu meio, por exemplo, se dá pelo conhecimento prévio de outras culturas que, uma vez comparada com a cultura de seu meio, julgue o indivíduo ser esta última melhor que a primeira. Muitos são os meios que colaboram para este conhecimento; desde um simples intercâmbio cultural até, e principalmente, pelos meios de comunicação – sobretudo a televisão. Através dos meios de comunicação, uma diversidade de mundos, culturas e ideologias são colocados como elementos de um cardápio que fica à dispor da aceitação do sujeito. Seu leque de escolhas se abre, e até mesmo, se amalgamam, formando assim um novo aspecto para sua escolha e mostrando, desta feita, a característica estruturante, criadora e transformadora da realidade.

Destarte, quando dizemos que tal realidade pode ser modificada pelo indivíduo através de um conhecimento prévio de outras realidades, estamos com isso remetendo as Representações Sociais como produto social, das condições sociais que a engendram, ou seja, o seu contexto de produção. O simples fato do conhecimento prévio de outro mundo já é, por si só, elemento deste contexto. É analisando o contexto que se compreende as construções que deles emanam e nesse processo o transforma. Portanto, como contexto, não podemos apenas entender o espaço social em que a ação se desenrola, como também à partir de uma perspectiva temporal. Não visão de Spink (1995), três tempos marcam esta perspectiva temporal:
“a) o tempo curto da interação que tem por foco a funcionalidade das representações; b) o tempo vivido que abarca o processo de socialização – o território do ‘habitus’ (Bourdieu, 1983), das disposições adquiridas em função da pertença a determinados grupos sociais; e o c) tempo longo, domínio das memórias coletivos onde estão depositadas os conteúdos culturais cumulativos de nossa sociedade, ou seja, o imaginário social”.

Saliento aqui que encontraremos no tempo longo os núcleos mais estáveis das representações – considerando aqui a moral da sociedade como seu principal constituinte –, enquanto que no tempo curto concentra-se a diversidade e a criação, como fruto do aqui-e-agora da interação.

Mas não podemos falar aqui do contexto e suas peculiaridades, sem falarmos do Senso-comum. Por vários anos, o senso-comum (ou saber popular) foi visto como uma forma de pensamento primitivo, uma forma de raciocínio pré-lógico e fragmentado. A teoria das Representações Sociais vem justamente romper com esse pressuposto evolucionista ao mostrar que o senso-comum vem servir como uma
“ancoragem e tem como funções orientar condutas, possibilitar a comunicação, compreender e explicar a realidade social, justificar ‘a posteriori’ as tomadas de posição e as condutas do sujeito, e um função identitária que permite definir identidades e salvaguardar as especificidades do grupo”.

Assim, podemos perceber que o senso-comum é um espaço onde sedimenta-se várias ideologias que, ao longo do tempo, passaram e ainda continua a passar, mas que não se esvaeceram, deixando assim sua marcas e contribuições para a formação deste rico terreno. É por isso que falar em Representações Sociais é remeter-se ao conhecimento produzido no senso-comum. Mas não é todo e qualquer pensamento, mas uma forma de conhecimento compartilhado, articulado, que se constitui como uma teoria leiga à respeito de determinados objetos sociais. Tal terreno é formado através da intermediação da comunicação. Aliás, comunicação e Representação Social são inseparáveis, interdependentes. Como nos diz Moscovici,
“uma condiciona a outra, porque nós não podemos comunicar sem que partilhemos determinadas representações e uma representação é compartilhada e entra na nossa herança social, quando ela se torna um objeto de interesse e de comunicação”.

Dentre os diferentes tipos de comunicação, a conversação é destacada por Moscovici como o primeiro gênero de comunicação através do qual se constroem as representações sociais. Destaco aqui também – não colocando no mesmo patamar da conversação – as propagandas, principalmente as televisivas, bem como telenovelas, filmes, livros e revistas – estes numa proporção bem menor. É através da comunicação que o sujeito recebe informações sobre os objetos existentes no mundo, bem como das ações dos outros. Essas informações são filtradas e arquivadas na memória, que permite ao sujeito compreender as ações e os objetos, bem como agir sobre eles. Assim, é através desta compreensão que o sujeito constrói suas ideias à respeito do objeto, pela filtração das informações, e não a entende de forma nua e crua, como a recebeu.

É por isso que muitas vezes atribuímos significados diferentes à cerca de um mesmo objeto. Esta compreensão e forma como filtramos as informações dependem sobremaneira da desigualdade de interesses que os sujeitos dão ao mesmo objeto. É uma tendência tão natural que, cremos, seja por isso mesmo que tenha nascido a necessidade de se dissecar a ciência em partes, e uma mesma ciência em disciplinas, e estas, por sua vez, divididas em correntes de pensamentos teóricos. A compreensão está sempre à mercê dos hábitos lógicos e linguísticos de tradições históricas, do acesso à informação e da estratificação de valores. O modo como se apreende as informações, depende de outros conhecimentos e valores já arquivados em nossa memória. É uma construção já equilibrada servindo como base para outras construções do aqui-e-agora. Enfim, “a forma pela qual os conteúdos das representações são determinados e organizados, depende do lugar que os indivíduos ocupam ou das funções que exercem”.

Uma outra verdade nos é dada quando olhamos para um outro “aspecto-função” das Representações Sociais, ou seja, seu papel de “manutenção da identidade e equilíbrio sócio-cognitivos de um grupo, uma vez que ela mobiliza as defesas nos momentos de irrupção de novidades, temendo que estas possam se constituir em uma ameaça ao ‘status quo’, aos valores dominantes, aos modelos e aos quadros de pensamentos existentes nos grupos políticos e religiosos”. É a esfera dos choques ideológicos que se dá no espaço público; isso faz-nos mostrar que nem sempre o intercâmbio de valores e ideologias produzem, como consequência unilateral, o enriquecimento para ambas as partes. O outro, muitas vezes, pode se tornar algo ou alguém a ser combatido, aleijado, ou até mesmo exterminado, tudo isso sempre no intuito de se manter a identidade de um grupo.

Enfim, podemos resumir as funções das Representações Sociais, como bem fez Maria de Fátima de Souza Santos, assim:
“a) Função do Saber: compreender e dar sentido à realidade social; b) Função de Orientação: guias de conduta que orientam as práticas sociais; c) Função Identitária: pois as representações Sociais possibilita uma identidade grupal; d) Função Justificadora: servem como referências justificadoras do comportamento”.

Adiciono a estas, uma outra função, a e) Função Manutenção das identidades: uma vez que serve como defesa diante das irrupções das novidades.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Saúde Pública.


Hoje, por volta das 04h20, tive uma crise que suspeito ser labirintite. Estava dormindo tranquilamente quando, de repente, a vertigem começou. Levantei-me diversas vezes e corria ao banheiro, vomitar. Sensação horrível! Quase 07h00, meu pai me levou, de carro, ao Posto de Saúde Noélia Lessa. Lá chegando, não pude ser atendido por falta de água e médico. Corri, então, para o Hospital Geral do Estado (HGE) - perfazendo a peregrinação normal de todo cidadão brasileiro que não tem Plano de Saúde - e tive que esperar por quase duas horas para ser atendido. Pressão arterial, nível de glicemia, todos normais, graças a Deus. Passei mais 4 horas "tomando soro", até ser liberado.
Hoje parei para refletir sobre a Saúde Pública, especificamente em Alagoas. Falta de médicos nos postos de saúde; hospital superlotado, com pacientes espalhados pelos corredores, em condições desumanas - pesenciei, inclusive, um paciente cair da cama, por falta de cuidados, e espalhar sangue para todos os lados (precisou que um cidadão qualquer o levantasse, pois nenhum funcionário se dispôs ao trabalho) -; mal preparo dos servidores que tratam de qualquer maneira os que ali chegam; enfim, a "cara do Estado de Alagoas", hoje.
Não que esteja fazendo defesa do atual governador, mas, na minha modéstia opinião, acho que ele não tem tanta culpa assim - embora, paradoxalmente, reconheça que esse tipo de governo de "enxugamento da máquina", voltado para a Fazenda Pública, e que não sente de perto os "dramas" da sociedade, seja específico do PSDB. Lembro-me dos dias em que, em conversas com amigos, dizia incansavelmente que nunca sairia de Alagoas, que aqui era o melhor lugar para se viver. Mas hoje não carrego mais a mesma opinião, e digo com muito desprazer. Sei que o problema da saúde pública não é especificidade de Alagoas, não sou tão idiota assim (ou melhor, sou, mas ao menos não tem nada escrito na minha testa informando o segredo!). Mas o maior problema é que enxergo Alagoas e não encontro solução para ele. Basta dizer que 60% de sua verba seja proveniente do governo federal - precisa dizer mais alguma coisa? Acho até que os alagoanos deveriam deixar o orgulho e lado e clamar, em uníssono, voltar a ser do província de Pernambuco!
A saúde pública de Alagoas apenas serve de espelho para as demais secretarias da administração pública. Um verdadeiro caos! Acho que a única coisa que resta aos desfortunados nascidos em Alagoas é sentar "no trono de um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar...".

sábado, 20 de fevereiro de 2010

É a isso que chamam amor?


Escrito em 2005.


É a isso que chamam amor?

Sentimento que mata, destrói, trai;

Desesperança, mas que traz esperança.

Humilha e sofre, sofre, mas que faz viver.



É a isso que chamam amor?

Sentimento que aprisiona,

Mas que emancipa a imaginação humana;

Faz tirar dos aconchegos da alma o orgulho

Que emana, que encanta; que floresce o

Mais sublime dos sentimentos, mas que o

Coração adoece.



Engana, cheia de gana, afama e assim

Se ensoberbece; ensina o erro, pois a

Razão enlouquece. Martiriza, não se esquece.

Polemiza, pois “coleriza” o mais sublime dos seres.

Prejudica, “futiliza”, sacrifica a totalidade de um

Ser que si mesmo valoriza.

Arma poderosa, dolorosa; que é capaz de corroer

O poder ao atingir àqueles que o detém.



Valorosa, poderosa, perspicaz e laboriosa;

A tua majestade transcende gerações, culturas

E lugares. Só tu reinas! Magnífica com o seu

Saber e conhecer, inatingível à mente humana!



Nascestes para os fortes, regozija-se nos fortes,

Faz-se conhecer através dos fortes; justo os fortes

Que a ti te rejeitam em não querer te conhecer.



Ah, amor! Não te ames! Não te mates

Com teu próprio veneno!



Nós seres fracos imploramos a tua condenação,

Pois só tu tens o poder de acordar as agruras de

Nosso coração.



Desejamos o teu dês-saber, o teu mal-querer, o teu não-ver.

Cega-nos e não te recolhas apenas ao âmago de nossa alma!

A ti pertence todo nosso ser, fazendo-nos sofrer,

Mas sendo nosso bem querer,

De eternidade em eternidade, mal nos ensinando

A nos reconhecer.



Será por isso que a ti chamam amor?

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Sobre o amor.


Para Deus, o amor é:
- Paciente;
- Bondoso;
- Não é ciumento;
- Nem orgulhoso;
- Nem vaidoso;
- Não é grosseiro;
- Nem egoísta;
- Não se irrita;
- Nem fica magoado;
- Nunca desanima, mas suporta TUDO (tudo mesmo!) com fé, esperança e paciência.

Se faltar algum desses elementos então estaremos diante de qualquer outra coisa, exceto o verdadeiro amor. Sejamos sinceros: Alguém (passado e presente) já amou verdadeiramente? Óbvio, com exceção de Cristo.

Direito à dúvida.


Sinto-me no direito de ter dúvida. Grande parte da humanidade acha que a dúvida pertence aos fracos de espírito, aos menos informados, aos que negligenciam a informação, dentre outros do gênero. Na verdade, estas não são os únicos condicionantes da dúvida. O contrário também procede. Quando estamos em busca do conhecimento holístico à respeito de alguma coisa - principalmente a coisa subjetiva - enveredamos num caminho muitas vezes sem retorno. Quanto mais profundo formos, mais dúvidas ocorrerão, inevitavelmente. Até porque um caminho obrigatório para a se alcançar o conhecimento "do todo" diz respeito ao método dialético. Todo aquele que for honesto na sua busca, procurará saber os argumentos contrários ao determinado ponto de vista, objeto de sua análise. Tem que ser assim! É questão de honestidade com a própria consciência. Basta dizer - como se diz, com muita propriedade, na propaganda televisionada da Fundação Roberto Marinho - que existem mais dúvidas à respostas no mundo. O Ser humano é um "ser interrogação". Aprender faz da parte do processo de crescimento, e as respostas são frutos de dúvidas.
Felizmente, ou infelizmente, que nem tudo no mundo tem respostas simples, que aquietem nossas almas. São para estas questões complexas que muitos seres introspectivos pagam o preço e tentam trazer respostas, "para o bem de todos e felicidade geral da nação" - e de si mesmos. São horas à fio mergulhados numa profundidade de análise que muitos não se arriscam, muitas vezes motivado pelo medo que acompanha a dúvida: a infelicidade. Sejamos sinceros, quando estamos na High Way com destino à Verdade, descobrimos, no decorrer do caminho, coisas que nós não gostaríamos que fosse verdade. Às vezes são informações que nos tiram no primeiro foco de análise e nos levam, quase que automaticamente, a seguir outros rumos em busca da veracidade desta outra informação adquirida. Acabamos por mudar o escopo. O mais agoniante disso tudo é que quando trilhamos este outro caminho, nos deparamos com inúmeras outras informações que nos levam à outros caminhos e, se não tivermos punhos de aço, perderemos totalmente o foco de tudo e caimos num frenesi de querer tudo saber. Calo-me quando, para se atingir as respostas do primeiro foco, temos que enveredar, obrigatoriamente, outros caminhos, mas sem se esquecer do foco principal. A Metodologia serve para pôr nossos pés no chão nestas horas. Mas nem mesmo ela é um dogma (mas vamos deixar pra lá, antes que eu perca o foco, risos...).
Eu confesso abertamente (e aqui estou me enchendo de coragem inimaginável até mesmo por mim) que estou em dúvida em relação à doutrina cristã que melhor interpreta a vontade divina. SIM, É ISTO MESMO: NÃO SOU MAIS TÃO CALVINISTA QUANTO ANTES! E não é somente porque me angustio em saber que Deus não é tão amoroso assim ao preterir muitos para o inferno. É também motivado por análises que faço da Bíblia. O que dizer de Ezequiel 18.32: "Porque não tenho prazer na morte do que morre, diz o Senhor Deus; convertei-vos, pois, e vivei."? Sem contar com inúmeros outros textos que põe a doutrina calvinista contra a parede (Ezequeil 18.32 serve apenas como exemplo). O que me leva à dúvida em relação à doutrina da predestinação não é apenas isso, mas são os próprios defensores de tal doutrina. Por que crer numa doutrina defendida por alguém como Calvino, que chegou a defender que os pobres estavam predestinados ao inferno (pois, em sua análise, a riqueza e o sucesso dos ricos era um sinal da preferência de Deus sobre estes)? Não seriam os apóstolos pobres? Sendo assim, estariam eles predestinados ao inferno? O que dizer do próprio Cristo, que nasceu e morreu pobre? Mas o que dizer de Lutero, que autoflagelava-se com o intuito de se obter perdão de Deus por seus pecados? Não seria o sacrifício de Cristo na cruz suficiente para a remissão dos seus pecados? O que dizer também da principal denominação cristã, no mundo, que defende tal doutrina? Nasceu com o intuito de ser a religião oficial de uma nação (Escócia)! Criação (invenção) religiosa com fins políticos, que pena! Um outro condicionante que me levou à dúvida veio através do método empírico-comparativo. Quando comparo tal denominação defensora do calvinismo com a atual na qual faço parte, vejo que aquela está embebida numa religiosidade aparente (entendam aqui o termo "religiosidade" no sentido pejorativo); enquanto esta preocupa-se demasiadamente em fazer o IDE de Jesus, sentindo, assim, mais paixão pelas almas perdidas (como deve ser).
Enfim, precisei estudar a dialética da predestinação e da principal denominação defensora, bem como suas particularidades históricas, políticas e de seus principais ícones, para entender bem o surgimento de uma doutrina dessa! Não estou dizendo com isso que não creio mais na doutrina calvinista. O bom leitor saberá interpretar as linhas acima. O que quero dizer é que ESTOU EM DÚVIDA, E NÃO TENHO O MENOR RECEIO DE COMO FICARÁ MINHA IMAGEM DEPOIS DE DIZER ISTO. Não é com minha imagem que estou preocupado, mas sim com a verdade, principalmente a verdade bíblica. Gostaria muito de pôr um ponto final nessa história, mas ainda estou nas vírgulas e interrogações.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Seriam 60 anos de idade!!


Fico à imaginar como estaríamos agora, 18 de Fevereiro. Ela completaria 60 anos de idade e, com certeza, estaríamos comemorando seu aniversário. De forma simples, sem muito luxo; aliás, simples como ela era. Simplicidade era a sua marca, em tudo que fazia não havia toque glamouroso, mas o simples feito com perfeição.
Ela foi capaz de transcender o ambiente em que nasceu e viveu, mostrando, através de sua vida, que o ambiente interfere mas não determina o futuro de alguém. Nasceu numa família pobre, filha de pais agricultores, tendo muitos irmãos(ãs), sempre levou os estudos à sério em um meio onde tinha a incumbência de cuidar de seus irmãos menores, bem como de ajudar os pais no campo. Mas isso tudo não foi empecilho para que ela desistisse ou simplesmente esfriasse seus planos. Não chegou a ter diploma de curso superior (que na época não tinha a obrigatoriedade vaidosa de hoje), mas fez o Magistério e chegou a passar em dois concursos públicos (Bandepe - foi nomeada, mas não empossada - e Secretaria de Educação do Estado de Alagoas, no qual terminou sua vida).
Como esposa de pastor sofreu e alegrou-se, ao lado do marido, as particularidades de um Ministério verdadeiro. Agia com muita sabedoria, e sabia se portar em momentos delicados, deixando para desabafar - e muitas vezes desabar - quando chegava no seu recinto. Lembro-me das vezes em que a via preparando o jantar e chorando, triste com alguma situação no trabalho, na igreja, ou até mesmo dentro da família (com suas irmãs ou filhos). Sofria calada. Compartilhava somente com meu pai seus problemas. Tinha um casamento perfeito, nunca vi (repito: NUNCA!, SEM EXAGERO) brigar ou simplesmente discutir com meu pai por coisa alguma. Sabia decifrar o cuidado de Deus em sua vida nas coisas mais simples. Como exemplo, lembro-me de uma vez, quando tinha mais ou menos oito anos de idade. Estava aprendendo a mexer na máquina de datilografar. Enquanto "reinava" na máquina, minha mãe estava preparando o almoço e chorando - não sei o que a fazia chorar naquele momento. Em frente à mesa, onde ficava a máquina de datilografar, tinha um quadro com uma imagem de um pôr-do-sol e o seguinte versículo bíblico: "Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus" (Salmo 46. 10a). Aquilo me chamou a atenção e datilografei, num papel "chamex", tal frase. Claro que no momento o que mais me motivava a escrever tal versículo era a novidade de mexer na máquina. Mas por alguma razão entreguei-a o texto. Ela recortou e colou em seu guarda-roupa, para sempre se lembrar do cuidado de Deus, que me usou, para trazer conforto naquele momento. Para ela, os detalhes tinham significados e não era mera coincidência; por isso mesmo que ela sempre ficava atenta aos detalhes. Até um tempo atrás eu também era assim, mas confesso que perdi esta sensibilidade.
Lembro-me, também, de seu cuidado para com as coisas de Deus e de nos criar em Seus caminhos. Quando éramos crianças detestávamos (meus irmãos e eu) acordar cedo para ir à Escola Bíblica Dominical. Ela tinha seus artifícios pra nos fazer acordar: 1º) Desligar o ventilador - como o quarto era abafado, sentíamos calor rapidinho (mas não era o suficiente para nos fazer acordar); 2º) Tirar os lençóis que nos cobriam - ficávamos mais expostos aos mosquitos (mas ainda não era o suficiente); 3º) Ligava a radiola na música "Sou Feliz" de Feliciano Amaral, bem alto (mas ainda assim ficávamos na situação intermediária entre o sono e o despertar); e 4º) Com a ponta dos dedos ela batia em nossas costelas - Ah, esse era tiro e queda, não tínhamos como resistir, levantávamos rapidinho e cheios de raiva (risos...). Mas foi assim que ela colocou dentro de nós não somente o desejo, como também o dever de valorizar a Escola Bíblica Dominical. Hoje, sabemos muito bem o quão importante foi para nós. Se Deus quiser que eu tenha filhos(as) usarei dos mesmos artifícios para fazê-los(las) ir à E.B.D. - se necessário.
Ela era muito voltada para a família, preocupava-se demasiadamente com seus pais e conosco (filhos). Tinha dentro de si algo que falta para nossa sociedade atual: a certeza que a família vem numa colocação superior ao trabalho. Muito me entristece ver mães que priorizam o trabalho em detrimento às suas famílias. Seu trabalho tinha como foco o sustento e a manutenção da família, e não o de seu ego. Quanto aos seus irmãos(ãs), com absoluta certeza, era a filha mais dedicada ao Reino de Deus e aos seus pais. Nunca foi valorizada pelas suas três irmãs; lembro-me das inúmeras vezes que a via chorar porque suas irmãs vinham a Maceió e nunca apareciam em casa, sequer para dar um "oi". Muito pelo contrário, as três uniam-se para falar mal dela. E isso a fazia sofrer muito. Nada mais torturante que o desprezo! Mas isso não era o suficiente para fazê-la desgostar de suas irmãs. Quanto aos irmãos (homens), sempre gostou de todos eles, e os mesmos sempre correspondiam ao seu amor, atenção e carinho - dentro do grau de intimidade que tinha com cada um, obviamente. Percebo que a forma de relacionamento que eles têm uns com os outros é o mesmo que os meus irmãos e eu temos: nas brincadeiras, na ajuda mútua, no gosto das lembranças pelo passado, na consideração e nas brincadeiras que se têm com as esposas uns dos outros. Não que estivéssemos preocupados em imitar, mas que acontece muito naturalmente. Até hoje guardo grande admiração deles!
Nos deixou aos cinquenta anos de idade, em 20 de Agosto de 2000. Deus honrou sua vida - e a nós como família – dando seu nome a uma Escola Estadual, inaugurada em 2001 pelo então governador Ronaldo Lessa. Escola Estadual Anaías de Lima, localizada entre os bairros do Vergel e Trapiche da Barra. Não apenas isso. Há poucos dias recebo um e-mail de meu irmão Esdras informando que a vida dela consta no livro Dicionário Mulheres de Alagoas – Ontem e Hoje, pela Editora da Universidade Federal de Alagoas (Edufal), entre as mulheres que mais se destacaram no Estado de Alagoas.
Deixa-nos com muitas saudades. Mas temos convicção de que onde ela está agora é um local onde ninguém jamais pensa em retornar, por melhor que fosse sua vida na Terra!

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Saber Envelhecer...


Eis o título do livro que leio nestes dias, de autoria de um dos grandes flósofos que a humanidade já produziu. Trata-se de Marco Tulio Cícero, em 106 a.C. De fato, muitos temem chegar à chamada 3ª idade; mas a mesma produz suas pérolas que somente quem as atingem têm a satisfação de usufruí-las na sua integralidade. Mas para atingi-la, não se faz uma condição sine qua non chegar à 3ª idade. Se assim o fosse, o que dizer de muitos idosos que não comportam-se sabiamente? É certo que ninguém consegue ser sábio em 100% de suas vidas; há espaço para a volúpia - tão defendida por Erasmo de Rotterdam. Mas o que realmente conta é a sabedoria sendo usada nos momentos mais preciosos, significativos, visíveis, e que traga consequências por toda uma vida. Está intimamente entrelaçada com as escolhas. Sim, ser sábio nas escolhas. Ao meu ver, faz-se necessário que cada indivíduo possa construir um conhecimento holístico sobre a vida - mesmo que isso seja impossível, reconheço, por se tratar de diversas correntes que as várias ciências sociais, humanas e religiosas tenham à respeito da mesma - através da Filosofia, Sociologia, Antropologia, Psicanálise (e por que não, também, a Teologia?!). É preciso que se busque conhecimentos sobre tais ciências, pois as mesmas trazem em seu escopo principal análises sobre relações humanas e sociais. Creditar sua fé em tudo que elas dizem não é um caminho confiável, não aconselho; por isso mesmo que dentro de cada uma delas há o espaço para o contraditório, visões diferentes e muitas vezes divergentes sobre o Ser Humano (que bom, só temos a ganhar com isso!).
Tal conhecimento só tem a contribuir com a sabedoria que nós construímos ao longo de nossas vidas. Procurar saber o que elas dizem à respeito das relações humanas não vai te fazer perder nada, pelo contrário, só vai enriquecer seus conhecimentos - mesmo que você opte em não crer em absolutamente nada que elas digam.
A busca pela sabedoria deve ser uma constante em nossas vidas. Aliás, esse deveria ser o objetivo principal de cada Ser que habita nosso planeta Terra. Mas não é. Fico à imaginar se todos - perdoem-me pela utopia - procurassem construir a sabedoria desde cedo. Que fonte maravilhosa seriam os velhos! Verdadeiros livros abertos, com a maravilhosa "função" de serem orientadores dos mais jovens. Mas, como disse, trata-se de uma utopia. Isso porque a volúpia dos mais jovens, materializada pelos seus desejos desenfreados, milita contra as coisas do espírito e do pensamento. Como nos disse (e continua a dizer, pois o livro imortaliza os pensamentos) com muita propriedade Cícero: "Sem desejo, não há frustração: logo, é preferível não desejar". É isto, enquanto nossos desejos estiverem voltados para os desejos "carnais" - e aqui englobo o materialismo de nossa época - não poderemos, nunca, atingir, ou, sequer, dar o pontapé inicial para a construção da sabedoria em nossas vidas. Vivê-mo-la, até então, de forma vazia.
Não defendo aqui que, para a construção da sabedoria, somente os conhecimentos das supracitadas ciências sejam absolutas para atingi-la. Não! O conhecimento empírico também é deveras importante neste processo. As experiências do passado e do cotidiano nos dão um arsenal muito rico para o conhecimento das relações humanas e de como devemos nos portar diante delas. Aliás, mais além, as relações interpessoais são os únicos meios de praticarmos e aprimorarmos a sabedoria que construímos até o presente momento. Muito mais além: as relações interpessoais são, elas mesmas, as únicas fontes de análises das supracitadas ciências. Tamanha é a sua importância!
Destarte, podemos ver que a sabedoria está intimamente ligada ao conhecimento. Quer seja teórico ou prático, o conhecimento nos leva a um patamar mais elevado. Como nos diz Cícero: "o saber se vale das competências acumuladas e se enriquece à medida que envelhecemos".
Mas eu não poderia encerrar a reflexão de hoje sem mostrar "o reverso da moeda", o lado negativo do conhecimento e do saber. Mesmo para os que não crêem na Bíblia, não há como contestar tal assertiva de Salomão, filho do Rei Davi: "Porque na muita sabedoria há muito enfado; e o que aumenta em conhecimento, aumenta em dor". Como gostaríamos de passar por esta vida sem desilusões! Quantas e quantas informações poderíamos ser poupados de saber! Mas se não as houvesse, como se apossar da verdade? Afinal de contas ela tem o poder de nos mostrar a nossa "situação diante das situações". A busca pela verdade é um condicionante que habita os corações humanos. Ao que me parece, todos já nascemos com essa predisposição. Não há como fulgir! Até mesmo os espíritos mais fracos e ingênuos o procuram com muito ardor. Diante de tudo isso podemos refletir: Há possibilidade de se envelhecer sem dor? Creio que não. Mas a sabedoria que aumenta durante a velhice, sabe não apenas amortecê-la, como também extrair-lhes suas doses mais mortíferas. A isso chamamos de amadurecimento. Lembremo-nos que um fruto antes de amadurecer passa pelas intempéries; e objetivo natural do fruto é trazer alimento para alguém (humano ou não). Assim também se passa conosco, as intempéries da vida faz-nos mais maduros; mas não um amadurecimento qualquer, sem finalidade; e sim com a finalidade principal (natural) de guiar os mais jovens a trilharem os diversos terrenos da vida com sabedoria.