sexta-feira, 20 de novembro de 2015

EM QUE SE BASEIA SUA FELICIDADE?



Mesmo não florescendo a figueira, não havendo uvas nas videiras; mesmo falhando a safra de azeitonas, não havendo produção de alimento nas lavouras, nem ovelhas no curral, nem bois nos estábulos, ainda assim eu exultarei no Senhor e me alegrarei no Deus da minha salvação” (Profeta Habacuque cap. 3, vs. 17, 18).

Não é preciso dizer que é um grande desconforto não ter suprimentos em tempos de crise. Somado ao desconforto, recai sobre nós um sentimento de impotência, vulnerabilidade, vergonha e decepção consigo mesmo. Isso se intensifica quando estamos fragilizados espiritualmente, onde, como corolário desta fragilização, as benesses materiais se sobrepõem às espirituais.

Se pararmos para pensar, em toda a trajetória de nossas vidas fomos mais abençoados que amaldiçoados. Se chegamos à idade que chegamos é porque Deus, em todo esse tempo, nos amou, alimentou, vestiu, protegeu, abrigou, e nos deu motivos para sorrir. Porém, nos esquecemos deste óbvio ululante quando somos assaltados por alguma desgraça – seja ela em apenas uma ou mais esferas de nossas vidas. Em momentos assim, tornamos o “agora” como base interpretativa de toda a nossa vida. É como se a desgraça do agora fosse o resumo de toda uma vida; num estralar de dedos nos esquecemos de toda uma gama de bênçãos.

Foi assim com o povo hebreu na travessia do deserto, está sendo com alguns cristãos atuais, e sempre continuará a ser, infelizmente.

Porém, a felicidade do profeta Habacuque nadava contra a maré emocional de todo um povo. É natural termos nossa felicidade afetada pela tristeza coletiva; podemos ver isso nos dramas – para não dizer tragédia – em Mariana-MG (nas cidades adjacentes e não apenas!) e Paris. Contudo, sobrenatural é não se contaminar com a tristeza e a leitura da vida que a coletividade faz da mesma, sempre baseada nas circunstâncias. O termo “ainda” deixa claro que a desgraça econômica – a atividade agropastoril era a base econômica à época da declaração – não se abateu na vida do profeta. Ainda é uma condição de possibilidade, sinônimo de “mesmo que”. Mesmo que a desgraça acometesse a vida do profeta, seu espírito estava pronto para enfrentar tais intempéries. Isto porque sua felicidade não estava mirada nas benesses materiais, mas tão somente naquilo que muitos crentes simplesmente esquecem: a salvação.

A cruz de Cristo para estes nada dizem. O sacrifício vivo na cruz do Calvário, a eleição incondicional, o favor imerecido (graça), a vida eterna, as misericórdias, enfim, todas estas manifestações do amor de Deus não são as condicionantes que os levam ao culto dominical. Vão para agradecer as bênçãos recebidas durante a semana e para pedir pela vindoura. É como se dissessem na prática: “a salvação para nada importa, desde que Ele me dê condições de suster minha família, e conservem todos com saúde e paz”. Se fossem valorar as bênçãos de Deus, a salvação seria a moeda de 1 centavo, e por dois motivos: não tem valor, e por não mais existir (A Casa da Moeda não mais produz). Há muito que desapareceu dos corações dos crentes – de outrora e hodiernos – o verdadeiro sentido de felicidade e, de longe, a maior motivação de culto: a alegria da salvação.


Quanta mediocridade! Quanta pobreza! Que cegueira terrível! Se todos os cristãos mantivessem a alegria em meio à crise, seria como uma luz que alumia uma cidade inteira. Um testemunho vivo de que a verdadeira felicidade está em Cristo e não nas circunstâncias.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Televisão: o controle ainda é seu

Entrevista solicitada pelo jornalismo do Jornal Show da Fé, da Igreja Internacional da Graça de Deus. Trechos da entrevista foram publicados na Edição Nº 116 do Ano 10, de Setembro de 2015.

Como a televisão é vista hoje? Até que ponto ela dita padrões de comportamento/personalidade/crença?

De umas três a quatro décadas para cá – quando ela passou a ser um bem de consumo possível nas casas das classes menos favorecidas economicamente – a televisão tem exercido um papel antagônico na vida da sociedade. Através dos telejornais, isto quando há a imparcialidade
jornalística (tão discutida pelos cientistas sociais, e rechaçada pelos ideólogos de esquerda), podemos vê-la desempenhar um papel fundamental na vida da sociedade como uma disseminadora da informação, um meio democratizante e eficaz de oferecer informação a todas as classes sociais num curtíssimo espaço de tempo, e com o potencial de atingimento em (quase) todos os espaços geográficos, quer sejam urbanos e rurais.

Porém, através dos seus núcleos de entretenimento, temos visto desempenhá-la um papel transgressor no que tange aos padrões ideológicos (que, em si, já engloba o comportamento e personalidade) da sociedade. É certo que já virou uma retórica caricatural dos defensores da cultura midiática a relativização dos padrões valorativos vigentes numa sociedade. Apegam-se à relativização para construírem seus discursos em prol da imparcialidade cultural, ou seja, ao fato de que manifestações artístico-culturais devem ser livres, não podendo estar sob a égide de padrão algum – sejam eles morais, filosóficos e religiosos. Atrelado a isto está a máxima constitucional da liberdade de expressão – vista nos artigos 5o, parágrafo IX; e 220 § 2º.

No entanto, não é necessário que sejamos experts em História das Artes para sabermos que, historicamente, nenhum tipo de arte, tais como pinturas, literatura, gastronomia, teatro, escultura, música e etc., foi isenta de algum padrão valorativo, filosófico, e, em alguns casos, religiosos; mesmo as manifestações artísticas que pareciam estar à frente de seu tempo tinham um viés contracultural, de transgressão aos padrões de seu tempo, comunicando, com isso, sua crítica aos status quo.

Apegado a esse discurso de relativização e liberdade, os diretores de telenovelas, filmes, e programas diversos (humorístico, de entrevistas (com ou sem auditórios), e até mesmo outros de assuntos mais específicos como esporte, automobilística, moda, e etc.), tem todo o espaço necessário para aspergir na sociedade valores (muitas vezes religiosos!) e comportamentos que sejam do interesse dos proprietários das diversas redes e sistemas televisivos. Desta feita, se torna extremamente prático transgredir alguns valores sociais e defender-se com a relativização de absolutamente tudo. Como exemplo, podemos ver em tempos de carnaval, numa determinada emissora brasileira, um quadro contendo uma mulata seminua, de corpo escultural, dançando sensualmente, sendo transmitida repetidas vezes ao dia, em todos os horários do dia – assistido por todo tipo de público, inclusive crianças. Dizer que isso é uma manifestação da arte carnavalesca e que, se alguém ver nisso um culto à sensualidade o problema estará nos olhos de quem vê, é, no mínimo, a maior de todas as relativizações da mídia televisiva em nosso país.

Outro exemplo está na massificante propagação da ideologia de gênero. Temos assistido a mídia como um todo – e não só a televisiva! –, utilizando-se de todos os seus meios possíveis (programas diversos e intelectuais ao seu serviço), convergindo para a naturalização das ideias de gênero. Ou seja, é querer relativizar aquilo que foi estabelecido naturalmente, biologicamente. Macho e fêmea, segundo seus ideólogos, não é mais visto como algo natural (objetivo), mas subjetivo. Isso, ao meu ver, se constitui como a mais atual tentativa de transgressão ideológica imposta pela mídia. Ah, e um detalhe: todos os valores sociais que boa parte da mídia tenta e, infelizmente, está conseguindo destruir, são justamente aqueles que o cristianismo contribuiu para a formação da sociedade, sobretudo a ocidental, tais como a indissolubilidade do casamento, o casamento monogâmico e
heterossexual, a atividade sexual após o casamento, o comportamento não violento, o contentamento material com o básico – que vai de encontro ao comportamento consumista também difundido pela TV –,... por que será?!

Podemos dizer que o indivíduo fica indefeso diante da tv? Por que?

Não creio que haja uma total “subserviência mental” diante da TV, mas admito que, nas pessoas que não tem um senso crítico elevado, a suscetibilidade aos padrões comportamentais difundidos pela TV tenha uma influência bem maior. Sabemos que a educação – não apenas a escolar, mas sobretudo a
familiar e a religiosa – tem um papel preponderante para tornar o indivíduo mais crítico, mais sensível, sábio no sentido do termo, incutindo nele a capacidade de peneiramento de tudo o que se passa a sua volta. Hoje, mais do nunca, vemos a necessidade da boa manutenção da estrutura familiar para o adquirimento e desenvolvimento deste senso crítico. Isto porque temos assistido em nosso país – e na maioria dos países em desenvolvimento – um sistema educacional descomprometido em tornar o indivíduo um melhor cidadão, ciente de seus deveres.

O sistema pedagógico nacional tem sido voltado somente ao conhecimento técnico, tudo em nome do desenvolvimentismo científico e econômico do país, numa clara demonstração da visão de uso e desuso que o próprio país tem de seus cidadãos. Em outras palavras, a mensagem que o Estado nos dá é: desde que seus conhecimentos e habilidades faça nossa nação crescer, e também desde que não provoque nenhuma desordem social, pouco me importará seu senso crítico! Diante deste cenário de “deseducação institucional”, criado pelo próprio Estado, e substanciado pela crescente desestruturação familiar que vemos no mundo – que fica evidenciado no grande número de divórcios, de violência doméstica, e de pais que pouco se relacionam com os filhos –, é de se esperar mais indivíduos suscetíveis às influências comportamentais da TV. Como bem diz o adágio popular: “quando a família não educa, a TV educa”.

Para que tipo de sociedade estamos caminhando digerindo o que a tv nos mostra por meio de sua programação/comercial?

Os padrões estereótipos de vida que a TV tem nos ensinado, manifestada principalmente pelos seus núcleos de entretenimento, tais como novelas, filmes e outros tipos de programas do ramo, são bastante elevados para a sociedade, o que requer dela uma postura mais nociva a si mesma. Para atingir os status apregoados por ela (TV), é necessário que o indivíduo assuma uma postura mais consumista, egoísta, hedonista, competitiva, e mais recentemente, através das redes sociais, “midiática”, ou seja, é preciso que seu sucesso seja visto por todos; e este sucesso quase sempre está atrelado à conquista de algum bem material ou cultural (viagens e títulos, por exemplo), mesmo que isso o leve a um alto grau de endividamento. Tudo vale para se enquadrar aos padrões televisivos! Abster-se de relacionamentos sadios e estáveis (aquelas que não provocam grandes emoções à vida, pouco picantes!) para socializar-se com pessoas de comportamentos transgressivos, ser o que não é, e possuir o que não pode.

Desta feita, a sociedade torna-se vítima e algoz de si mesma, num círculo vicioso onde ela mesma não é capaz de curar-se. E neste processo de desintegração social, a mídia televisiva tem uma parcela significativa de culpa, pois difunde como pouco importantes, até mesmo para satisfazer os interesses de seus patrocinadores, os papeis e estilos comportamentais que não são “vendáveis”. Me embasando em Zygmunt Bauman, polonês, um dos grandes teóricos da sociologia contemporânea, comportamentos assim são “despidos de valor numa sociedade treinada para medir os valores em
dinheiro e para identificá-los com as etiquetas de preço colocadas em objetos e serviços vendáveis e compráveis. São empurradas para longe das atenções do público (e, espera-se, dos indivíduos) ao ser eliminada dos cômputos oficiais do bem-estar humano”*.

Vivemos em tempos de fragilidade dos laços humanos, de liquidez de nossas emoções e por consequência dos relacionamentos. Os valores duradouros, que sobreviveram a séculos, que elevaram a condição humana a um maior patamar de desenvolvimento humano e social, tais como os
ensinados e praticados pelo judaísmo e cristianismo, logo são substituídos por padrões novos, que nunca tiveram uma comprovação histórica anterior para se mostrar superior. Os valores históricos que ultrapassaram séculos logo são taxados de obsoletos, e substituídos pelo novo, que não sabe-se suas consequências. O perigo desta substituição é que, historicamente, quando padrões ideológicos são substituídos numa sociedade, desprezando o velho em detrimento do novo, as consequências foram devastadoras. Foi assim com o nazismo, fascismo(s), socialismo e comunismo. Um novo que prometia a liberdade e prosperidade da nação, mas que teve o efeito inverso, inclusive com a morte de milhões de seus próprios cidadãos. 

Creio que os marqueteiros da televisão, considerados por muitos como “engenheiros sociais”, devam repensar suas responsabilidades perante a sociedade. Devem analisar criteriosamente quais os efeitos práticos (benéficos ou danosos) que um determinado programa ou comercial trará à sociedade.
“Tudo em nome da audiência” seria uma irresponsabilidade social dantesca.

A violência, erotismo e valores deturpados a que somos submetidos são os piores indícios das más influências televisivas? Por exemplo, estudos apontam para o aumento no número de divórcios desde a criação da tv. Sabemos que hoje, em muitas novelas e filmes, mais se incentivam as relações extraconjugais do que as relações monogâmicas. Este é o lado danoso a tevê?

Sim, e tudo o que já foi explicado anteriormente responde a estes questionamentos. Porém, cabe mais uma contribuição. 

No corpo teórico-metodológico das Ciências Sociais, tais como a Sociologia, Psicologia Social e Ciência Política, encontramos a “Janela de Overton”. O que vem a ser isso? À grosso modo, é uma ferramenta muito utilizada pelos marqueteiros e propagandistas para fazer a sociedade – ou parte dela – aceitar certos padrões comportamentais e opiniões que antes eram repudiadas por ela mesma. Por exemplo, o divórcio, há aproximadamente cinco ou seis décadas, era terminantemente proibido em grande parte das sociedades, e um divorciado era visto com ressalvas pela maioria. A medida que o tema era sendo exposto na mídia e discutida positivamente e com bastante frequência, a opinião pública saiu da esfera do “proibido” para “proibido com ressalvas”. A medida que foi aumentando o bombardeio midiático sobre o assunto, passou-se para “neutro”, “permitido com ressalvas”, até, em nossos dias, ser “permitido livremente”. E estas mudanças foram acontecendo sem mesmo a própria sociedade se dar conta. O casamento gay, hoje, diria que está na esfera do “permitido com ressalvas”,
mas, infelizmente, não durará muito para estar na esfera do “permitido livremente”.

A TV é a “casa” favorita dos marqueteiros, pois sabem da força que a mídia televisiva tem em detrimento de outras formas de mídia. A Janela de Overton utilizada na televisão passa a ter um poder avassalador na psiquê social, adquirindo um poder indestrutível.

Como lidar com as influências negativas que a tevê promove? A influência da tv depende do senso crítico do telespectador?

Como já dito anteriormente, o ideal seria o papel educador da escola, família e da religião para tornar o o senso crítico do indivíduo mais sensível. Porém, diante da deseducação institucional da escola e da degradação da estrutura familiar, uma outra forma seria partir para o contra-ataque através de outra forma midiática que ainda não tem o mesmo poder da mídia televisiva, mas que tem se popularizado freneticamente: a internet. Creio que é uma ferramenta democratizante – não mais privilégio das classes dominantes – que pode estar à serviço da sociedade civil conservadora (e aqui já subentende-se as igrejas). Esperar que a mídia televisiva abra espaço para esta ala da sociedade seria de uma ingenuidade estratosférica. Ela pode até, vez ou outra, abrir, para não incorrer no risco de ser taxada de antidemocrática. Contudo, será numa proporção infinitamente menor em detrimento aos progressistas ideológicos.

Que mudança é necessária haver diante dessa influência da tevê? A solução estaria no controle remoto, escolhendo o que assistir? Qual seria a solução?

Sejamos sinceros: esperar mudanças da própria sociedade diante da influência da TV seria por demais ingênuo. Grande parcela da sociedade está idiotizada (para usar o termo comumente utilizado pelo filósofo Olavo de Carvalho) pela mídia televisiva.

A construção do senso crítico apurado seria a solução, pois assim a sociedade estaria apta para praticar a declaração paulina: “provar de tudo e reter o que é bom”. Seria uma forma de extrair o que há de bom na TV, sem precisar desfazê-la. Desfazer-se da TV não é uma mudança apropriada para a
solução, seria um retrocesso cultural e (de aprendizado) tecnológico que não contribuiria para nosso crescimento intelectual.

Creio que nossas escolhas diante da TV são materializadas no controle remoto. Creio que antes de ligarmos a TV deveríamos nos perguntar: o que irei assistir irá me edificar em alguma esfera da minha vida, seja espiritual, moral ou intelectual? O problema maior a ser enfrentado seria incutir nas
mentes da grande parcela idiotizada da sociedade esse crivo.

A televisão exerce um efeito muito grande sobre a sociedade, e a sociedade não exerce qualquer controle sobre a televisão?

Sim, creio que haja esta retroalimentação entre a televisão e a sociedade. Afinal de contas, o extrato para as ficções das novelas e filmes é extraído das próprias relações e fatos sociais. 

Há um conceito muito caro para as Ciências Sociais intitulado de “Representação Social”. Trata-se de um espaço de construção da realidade que cerca o indivíduo, e que constantemente é construído por realidades inovadoras no espaço social por outros indivíduos que cheguem ao mesmo espaço, com visões diferentes da realidade e que podem interferir decisivamente na sua visão (construção) do mundo que o cerca. Desta feita, nos tornamos, ao mesmo tempo, construtores e construções – não acabadas – da realidade que nos cercam. Nisso se manifesta a capacidade de criação e recriação social de certos elementos que nos são apresentados cotidianamente – muitas vezes apresentados pela mídia televisiva.

Um exemplo disso é quando, através da TV, nos deparamos com alguma manifestação cultural de outro país. Temos a capacidade de adequá-la aos nossos elementos culturais locais. O movimento manguebit foi um exemplo vivo disso, onde o rock (criação norte-americana) foi mesclado ao maracatu rural do Nordeste brasileiro, surgindo assim um movimento diferenciado. 

O mesmo ocorre com alguns padrões comportamentais ou alguma cultura material difundidos pela TV. Há quem os aceite ipsis literis, outros, irão recriá-los aos padrões locais, dando surgimento a um novo elemento comportamental ou material. Isso, por sua vez, serve como matéria-prima para criação de ficções para filmes, seriados e telenovelas, bem como para matérias de telejornalismo e programas diversos.


* BAUMAN, Zygmunt, 1925. Amor líquido - sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004, p. 95.