O episódio se deu quando Jesus retornava da Judeia e se dirigia à
Galileia. O deslocamento (forçado) de Jesus se após acompanhar os
batismos que seus discípulos faziam na Judeia. A informação havia chegado de
forma distorcida aos ouvidos do fariseus, onde acreditavam que ele praticava os
batismos.
Para chegar à cidade da Galileia em curto espaço de tempo, era
necessário passar pela Samaria (ou Samária em algumas traduções). Nesta região
havia uma cidade chamada Sicar, onde havia um poço de importância histórica e
simbólica – foi onde Isaque havia cavado e dado ao seu filho Jacó. Neste poço,
Jesus, cansado da viagem, sentou-se para descansar e hidratar-se. Mas não
apenas isso, creio que ele aguardava chegar a mulher samaritana (da qual a
bíblia não cita seu nome) para travar um dos mais emblemáticos diálogos
narrados no Novo Testamento.
Para entender ou relembrar a história, basta consultar o texto
supracitado. Porém, é necessário lermos essa história fazendo um paralelo entre
o fato narrado com a nossa história e idiossincrasias cotidianas. Creio que de
uma maneira simbólica (alegórica) podemos contextualizar esse diálogo e fazer
uma leitura das entrelinhas do que se passava.
v. 7 – “Dá-me de beber”. Uma simples expressão denota a iniciativa de
Jesus em não apenas iniciar um diálogo, como também de quebrar as barreiras
sociais que haviam entre judeus e samaritanos. É um Jesus revolucionário,
quebrando os paradigmas sociais – mais uma vez! –, não dando importância ao mau
falatório que isso poderia gerar entre os seus discípulos e para todo um povo.
Era Jesus demonstrando que não estava interessado com as opiniões alheias à seu
respeito. Ele sabia quem era, de onde veio e para que veio; fazia o que tinha
de fazer, cumprir com as ordens do Pai, sem temor algum de sofrer retaliações
morais e preconceito social.
Mas também nos ensina que, se somos nós os interessados em falar quem é
Jesus, de onde veio, para que veio, e o que fez pela humanidade, então nos cabe a iniciativa de um diálogo. Não vamos aguardar que venham nos perguntar – a não
ser por mera curiosidade –, pois isso é impossível para os que estão mortos em
seus delitos e pecados (Ef. 2.1).
v. 9 – “Como sendo tu judeu, me pedes a beber a mim, mulher samaritana?”.
Percebe-se duplamente introjetado na mulher as barreiras sociais. Não apenas o
fato de ser “samaritana”, mas “mulher
samaritana”. Bem sabemos que a cultura daquele tempo e região – assim como
ainda ocorre em algumas regiões do planeta – as mulheres eram relevadas ao
segundo plano; sequer eram contadas. Foi o meio em que ela viveu, viu durante
toda sua vida um afastamento social entre o seu povo e os judeus, e não se
tratava de um afastamento natural, mas recheada de ódio, brigas e perseguições.
Não a julgamos, talvez nós tivéssemos introjetado esse mesmo tipo de
sentimento. Sentimento compassivo entre estes povos existia apenas em uma única
parábola (o bom samaritano) e mais em canto nenhum.
v. 10 – “Se tivesses conhecido o dom de Deus...”. Podemos entender este “dom”
como sendo ele mesmo (Rm. 5.15), seu poder (At. 8.20), sua graça (Ef. 2.8), ou
a vida eterna (Rm. 6.23) – as quatro formas interpretativas não são
excludentes! Fico a imaginar o quão diferente seria a reação da mulher ao
avistar Jesus, mas na condição de quem sabe sê-lo o dom de Deus. Isso nos faz pensar
o quão importante é o conhecimento, e o tamanho de nossa responsabilidade de
fazer Cristo conhecido entre os povos. Muitos (membros de nossas igrejas) podem
ter ouvido falar de Cristo, mas conhecê-lo plenamente é outra condição
completamente diferente, transforma a história de vida de quem passa a
conhecê-lo.
Quem o conhece, o trata de uma maneira diferente, e aproveita de sua
presença para ser abençoado (e por que não?!). Foi assim com os discípulos do
caminho de Emaús, ao perceberem de quem se tratava o “nobre andarilho” que os
acompanhavam, não queriam deixá-lo ir. Sua presença é agradável, dá segurança,
dá paz, enfim, abençoa!
A mulher samaritana não o tratou de maneira diferente porque não o
conhecia. Mas ela estava perdoada, pois não
sabia o que fazia (Lc. 23.34). E muitos não o tratam com a devida honra
porque da mesma maneira não o conhece. Fazer Cristo conhecido é uma maneira de
honrá-lo, dignificar Sua pessoa e seu maravilhoso feito por nós!
vs. 11 e 12 – “Senhor, não tens como tirá-la [...] és,
porventura, maior que o nosso pai Jacó... ?” – Pergunta clássica de quem
não apenas desconhecia o Seu poder, como de quem tem suas tradições maior do
que alguém ou qualquer outra coisa. É a reação típica de quem ainda não conhece
a Jesus, não é de se espantar.
Também é a reação clássica de quem não conhece plenamente o poder deste
maravilhoso Deus. É, também, a reação de quem confia em suas tradições, quando
enxergam que elas nada podem fazer pela sua amarga situação.
- “Senhor, meu problema é grave demais, o poço
é fundo! Como é que o Senhor vai tirar uma solução?”.
Quando estamos mergulhados no lamaçal dos problemas da vida, o
desconhecimento de nosso Deus e a cor turva da lama (problemas) escurecem nosso
campo de visão, ação e emoção. Minam nossas esperanças! O desconhecimento de
Jesus Cristo (Deus!) de certa forma incapacita o poder de ação (e reação) Dele.
Não se choquem com o que acabaram de ler, mas a fé – etapa posterior ao
conhecimento – e a entrega da vida (consequência da fé) são condições
primordiais para mudar de vida, nascer de novo! Se os doentes e aflitos que
procuraram Jesus não o conhecessem, jamais teriam o procurado para sanar seus
males. Mas eles não apenas conheciam, como também acreditaram que não havia
poço fundo demais que ele não pudesse buscar a água de suas sedes.
v. 13 – “Todo o que beber desta água tornará a ter sede”. Jesus não se
referia apenas à água do poço, referia-se também às tradições e história
daquela mulher, bem como a todas e quaisquer benesses que o mundo possa
oferecer. Sabia que todas as benesses da história que construiu as tradições e
costumes de seu povo não eram suficientes para matar a sede espiritual daquela
mulher.
Muitos são assim. Olham para trás e se orgulham de seus feitos. Chega um
tempo em que olharão para trás e não sentirão mais tanto orgulho. Então, para
manter seus orgulhos, sempre correrão atrás de novos feitos que sirvam de
lenitivos para a sua alma, e isso vira uma cadeia de dependência sem fim; ou
seja, sempre tornarão a ter sede!
v. 14 – “Aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede...”. “Longe
esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de Cristo” (Gl. 6.14); “tenho
também como perda todas as coisas ‘pela excelência do conhecimento de Cristo’
[...] as considero como esterco...” (Fil. 3.8). Eis a diferença de quem já
conheceu plenamente a Cristo!! Não há história, tradições, vitórias na vida que
possam satisfazer sua sede! Somente “pela excelência do conhecimento de Cristo”
é que se pode matar definitivamente a sede do homem. Quem bebe (conhece e crê)
jamais terá sede! Muito mais que isso: tornar-se-á uma fonte que jorrará esta
água, ou seja, passará a fazer Cristo conhecido na vida de muitos – não só
através de palavras, mas, sobretudo, no comportamento –, tornando-se o pai na
fé de muitas vidas.