terça-feira, 10 de março de 2015

Episódios





“Um episódio não é a consequência inevitável de uma ação precedente, nem a causa do que virá em seguida” (Bauman in Kundera, 2004, p. 70)*.

Esta frase me parece por demais generalizante. Não creio que os fatos sejam dissociáveis de experiências de outrora. Há, óbvio, no cotidiano, ações – ou mesmo discursos – não concatenados com fatos precedentes, por mais que isso possa contrariar os materialistas históricos e analistas de discursos. Porém, generalizar é um erro gritante.

Creio que somos aquilo que construímos, mesmo à contragosto e longe do que idealizamos para nós. Nossos atos dizem mais de nós àquilo que pensamos de nós. Somos nossos rastros nos vários terrenos pelos quais passamos. Não compactuo com a ideia de que somos o “agora”, e que as experiências passadas construiu-nos; não dissocio o “fomos” do “somos”, apenas somos. Alguns hábitos podem ter sido deixados para trás, pensamentos à respeito de assuntos pontuais e exclusivos podem ter sido substituídos pela posição antagônica – ou mesmo radicalizados –, e quiçá a própria essência do caráter tenha sido significativamente transformada. Porém, ainda assim, somos.

Somos as várias máscaras que vestimos ao longo da vida; elas podem ser exteriores a nós, frutos da determinação sócio-cultural, ou mesmo da desigual luta contra essa macrodeterminação, afinal de contas somos seres históricos – locais, finitos e temporais – mas também podem ser máscaras construídas, como uma maneira de encarar a realidade.

Destarte, os episódios são o terreno que calçam nossa existência. Muitos são construídos (forjados), outros nos surgem de supetão e exigem de nós uma resposta imediata, que certamente virá de acordo com as experiências construídas, ou seja, daquilo que fomos lá trás e que novamente seremos no presente – mesmo que de maneira diferente de outrora, levando em conta as lições aprendidas.

* Bauman, Zygmunt. Amor líquido - sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2004.


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