quarta-feira, 27 de abril de 2016

O POVO DE DEUS E A PROSTITUIÇÃO (Capítulo 5 de Oseias)

     Quando lemos este capítulo, podemos perceber que a prostituição no seio do povo de Deus é algo histórico, como um câncer da alma. Foi grande a inclinação de Efraim, Israel e Judá para este tipo de pecado. Tais povos lançaram-se à prostituição e com certeza nela sentiram regozijo. Não tiveram receio algum da mão de Deus sobre suas vidas; sequer lembravam Dele quando no cometimento do pecado; e, se lembravam, pior eram suas culpas.

     Porém, é dito neste capítulo que “um espírito de prostituição está no coração deles” (v.4). Fico a pensar o quão forte e velho tem sido este espírito. Parece até que quanto mais velho, mais forte se torna. Digo isto porque ao contemplar o nível de “consumo” deste pecado, vejo-o se propagar como as pragas no Egito. Não seria hipérbole dizer que este mal está arraigado nas igrejas – quer sejam grandes ou pequenas –, em toda a parte do mundo. Tenho visto este mal crescer, e não por fraqueza do Espírito Santo, como se estivesse perdendo uma competição de quebra de braço. O mal nasce da própria inclinação natural do homem ao sexo, algo natural projetado por Deus, que foi potencializada e banalizada por este espírito, tornando-o numa espécie de deus que deve ser desejado e “adorado” através da consumação do ato.

    Este mal corroeu tanto o povo de Deus narrado em Oseias, que o próprio Senhor chegou a dizer: “Suas ações não lhes permitem voltar para o seu Deus. (…) Quando eles foram buscar o Senhor com todos os seus rebanhos e com todo o seu gado, não o encontrarão” (vs. 4 e 6). Daí podemos concluir o quão grave Deus considera tal pecado; ele é capaz de afastar o homem – vítima e adorador ao mesmo tempo de tal espírito – de Deus.

    O tempo segue o seu fluxo natural de transcorrer, e o povo de Deus (aquele que se chama pelo Seu nome) continua a adorar este deus. Nesta era tecnológica, fazem de suas casas, computadores, celulares, tablets, as novas formas “litúrgicas” de adoração. Assim como a liturgia no culto cristão recebe as modificações de sua época, a Igreja da Prostituição muda sua forma de contemplar o seu deus, utilizando todos os meios imagináveis – e quiçá inimagináveis – de fazer com que seus fiéis se prostrem diante dele.

   O mal avança e parece que o povo de Deus se torna cada vez mais refém deste mal. Poderia considerá-lo “o mal de todos os séculos!” Pior que isso, o povo de Deus é quem corre atrás do algoz. Ele (o mal) não faz a mínima força para aprisioná-lo e acorrentá-lo com grilhões ultrarresistentes.

   O sentimento de culpa é um inimigo que este povo carrega em si, desde quando foi eleito. O próprio Deus falou que Irei e voltarei ao meu lugar, até que se reconheçam culpados e busquem a minha face; estando eles angustiados, de madrugada me buscarão.” (v. 15), e é exatamente isto que tem-se visto: o Seu povo tem reconhecido sua culpa, tem se angustiado, tem buscado a Sua face diuturnamente – inclusive para ser liberto de tal mal – mas mesmo assim continua a ser escravo deste pecado. Isso os incomoda espiritualmente; sentem-se enojados perante o Redentor; procuram descanso para vossas almas; sabem que estão errados e querem mudar… mas não conseguem.

   A sensação de não conseguir libertar-se recrudesce hodiernamente com o avanço da tecnologia, onde a internet é vista como ferramenta facilitadora para a prática pecaminosa. A prostituição não é mais a prática em si que, para ser consumado, precisa da figura de um(a) parceiro(a). Como bem falou Norbert Elias em seu livro O Processo Civilizador, com o desenvolvimento da civilização, o olho passou a canalizar todos os demais órgãos de sentidos do corpo humano. Ou seja, não é mais preciso utilizar todos os sentidos para cometer um mal; o simples fato de assisti-lo já faz-se necessário para satisfazer os desejos e impulsos – e, diga-se de passagem, a prostituição materializa-se no simples olhar! Aliás, a carga moral civilizatória já é por demais coercitiva, fazendo com que os principais impulsos humanos (sexual e agressividade) sejam controlados socialmente para o bom desenvolvimento da própria sociedade.

    Talvez tenha sido esse o pecado, dentre todos, que tenha motivado o cristianismo da Idade Média a criar os mosteiros, e assim separar o pretenso monge da sua sociedade, no intuito de não contaminá-lo mais ainda, haja vista que o diálogo sobre a sexualidade neste período era mais livre e intenso – principalmente na presença de crianças – em detrimento aos períodos ulteriores1.

    No entanto, para Deus, o pecado para caracterizar-se, basta acontecer no plano da introspecção. Não é necessário externá-lo para materializar-se. Como dito anteriormente, materializa-se no simples olhar. Essa é uma carga deveras pesada – no que concerne à prostituição –, tendo em vista o bombardeio midiático do culto ao corpo que vemos, mesmo quando não queremos ver. As vestimentas, os outdoors, os anúncios dos sites de notícias, as propagandas televisivas, de revistas e em jornais impressos, etc., tudo alude ao sexo. Somos cutucados todo o dia (e o dia todo!) para cometermos tal pecado – que, nestas alturas, já se encontra no nível da iniquidade.

    Sou cristão, sei que o que direi não diminui minha fé, embora possa maculá-la na interpretação alheia – e este é o preço de expor-se! --; e por isso mesmo, por ser de dentro, tenho a liberdade e ousadia para dizer: esta luta interior (da prática da prostituição materializada na lascívia) não tem sido um jugo suave, e o fardo não tem sido leve.




1Vide O Processo Civilizador (1939) de Norbert Elias.

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