quarta-feira, 8 de agosto de 2012

"É que Narciso acha feio o que não é espelho"

Hoje pela manhã, ao sair de casa para o trabalho, pude assistir no Jornal Bom Dia Brasil a reportagem sobre os 70 anos de Caetano Veloso. Ao adentrar ao carro e ligar o rádio (na Educativa FM, única rádio que escuto), contemplei parte da música intitulada Sampa – de autoria de João Gilberto, mas que ganhou mais reconhecimento pela voz de Veloso. Parte da letra desta música fala o título deste artigo. Mas não é de Caetano que quero falar.

Ao tomar a cultura como um todo, levando em conta seus aspectos extero-interior, somos moldados de forma tal que quase não temos forças para ir de encontro. Aliás, sequer nos damos ao trabalho disto. As ciências humanas e sociais ecoam o coro de “tendência normal”. Essa normalidade tem seus prós e contras. O primeiro, porque o Ser humano não precisa dispensar energias lutando contra uma tão grande nuvem que o cerca completamente. Se essa nuvem é capaz de ditar até o pensamento cotidiano – considerado como uma microinfluência – quanto mais os aspectos mais macros – economia, política e religião.

O segundo, é que nem sempre alguns desses aspectos culturais nos impulsionam ao que é construtivo. Sem ter a pretensa de julgar outras culturas – e já me utilizando dela própria para julgar – mas tomemos como exemplo a cultura de morte perpetrada entre os mulçumanos radicais. Entre os seus pares, ir de encontro à ideologia anti-américa é motivo de, no mínimo, desonra. É justamente quando nos tornamos janízaros de nossa própria cultura (e sua ideologia inerente) que nos fazemos narcisistas. Olhamos “o outro” de maneira preconceituosa e muitas vezes odiosa. Isto é, quando olhamos! Não suportamos a interpretação alheia e, muito menos, quando “o outro” nos interpreta. Isso fere nossa orgulho, pois nos sentimos donos de nossa cultura – criadores dela, talvez – agindo com total repulsa à idéia de ser julgado por quem não vive a nossa realidade. O olhar do outro sobre nós deve ser recebido com curiosidade, agrado – pois o outro se propôs a nos pensar – e, claro, com crítica.

Quando um determinado povo elege sua cultura como superior, tende a não se permitir aprender algum aspecto cultural que talvez lhe ajude no seu cotidiano. Para exemplificarmos, no contexto nacional, o sulista urbano elege a sua cultura rural como inferior; estes, por sua vez, elegem os nordestinos como inferiores; já estes elegem sua cultura rural como inferior; mas esquecem-se os sulistas urbanos e rurais, nordestinos urbanos e rurais, que os europeus tratam o sulamericano com desdém. Para eles, somos “farinha do mesmo saco”. Dentro da própria Europa há distinções. Os países eurolatinos são vistos pelas culturas nórdicas e germânicas como inferiores. E entre os nórdicos e germânicos há outros preconceitos, sabemos.

Certa vez, andava pelas ruas do centro comercial de Maceió, e encontrei uma mendiga que desdenhava de outra por não ter um pedaço sujo e velho de espuma que servia de colchão. É uma corrente longa, inquebrável e socialmente plural, não restrita às classes sociais privilegiadas. Muitas vezes, as repostas de alguns de nossos problemas podem estar nos ensinos de outros povos, tribos, raças e classes sociais – haja vista que a cultura pode se divergir dentro de um mesmo espaço geográfico e social. Para tanto, se faz necessário estarmos sempre antenados e prontos para aprender, sem se deixar preceder de idéias preconceituosas – ideias muitas vezes construídas pela própria cultura. Até porque todo e qualquer tipo de ação leva a uma reação.

O meu narcisismo pode estimular o narcisismo ao outro, por inspiração ou retaliação. E assim viveremos fissurados em nosso ego, ilusionistas de nós mesmos. É... Narciso acha feio o que não é espelho. Que tal quebrarmos seu (nosso) espelho?

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