sábado, 2 de maio de 2015

REFLEXÕES SOBRE O ENCONTRO DE JESUS COM A MULHER SAMARITANA (Jo. 4. 1-26) - PARTE II



v. 15“Senhor, dá-me dessa água, para que não mais tenha sede, nem venha aqui tirá-la”.
De imediato, aquela mulher reconheceu que as suas tradições não preenchiam o vazio de sua alma; era-lhe insuficiente demais, não serviam como alicerce para a sua vivência na terra. A expressão “nem venha aqui tirá-la” significa, em outras palavras: “para que eu não mais recorra as minhas tradições”.

        É bem verdade que o Ser humano procura razões para viver e se orgulhar; o Ser humano é um ser local e ideológico, costuma se orgulhar de suas raízes, e busca alguma ideologia para se identificar. Como já bem disse um cantor e compositor brasileiro: “ideologia, eu quero uma pra viver”. Mas a mulher samaritana teve uma atitude louvável: reconheceu a insuficiência de suas tradições, raízes, e a ideologia recorrente na Samaria. Talvez naquele momento ela tenha desabafado algo que a deixava engasgada e viu a pessoa certa e o momento certo para dizer que aquelas tradições não lhe representava.
Fico a imaginar quantos e quantas estão presos(as) às mais diversas tradições, o mais fundo de suas consciências os acusam que suas tradições e ideologias não os levam a canto algum, não preenchem seus vazios existenciais, enfim, lhes são insuficientes.

     Não é novidade alguma que o cristão deve lutar contra a tríade maligna: satanás, carne, e o mundo. Destes, o mundo faz a parte dele pondo em nossa frente um “cardápio” imenso de ideologias, ou seja, motivos para se viver. O encurtamento das distâncias provocada pela internet, só fez aumentar ainda mais esse “cardápio”, e como consequência, o vazio. Muitos passam a se identificar com histórias que não são suas, com raízes que nunca lhes pertenceu, e com ideologias que nada tem a ver com a sua história de vida. O vazio humano é tamanho que chegam mesmo a abraçar, “de corpo e alma”, estilos de vida e causas, que nunca pertenceu ao seu território.

     Óbvio, não era o caso da mulher samaritana, ela se orgulhava das tradições criadas em sua própria terra. Porém, todo tipo de tradição – seja ela “de dentro” ou “de fora” – que não é fundamentada em Cristo, não tem o poder de preencher a alma com satisfação. Um dia tornará a ter sede.

vs. 16 a 18 – Ao ler esse trecho, nada tira de minha cabeça que Jesus estava testando o grau de sinceridade daquela mulher. Percebam que Jesus pede para que ela chame seu marido, logo após ela pedir “a água que não mais dá sede”. Embora sendo Deus, e conhecido a sinceridade interior da mulher ao pedir desta água, Jesus queria mais uma prova de sinceridade e pede para ela falar de algo que traz constrangimento à vida de qualquer mulher de sua época – e a muitas de nossos dias! Ela poderia, movida pelo constrangimento, ter mentido sobre sua situação matrimonial, como tenho visto muitas mulheres fazerem em nossos dias: vivem amasiadas com algum homem, tem toda uma vivência de casados, e os chamam de maridos ou “namoridos”. Porém, devo destacar que a aliança do casamento, firmada na presença de Deus e da sociedade, tem um caráter mais do que simbólico para Deus: é também uma aliança espiritual. Perceba que Jesus reconhece isso ao dizer: “...e o que agora tens não é teu marido...”. Jesus deixa bem claro que aquele tipo de relação não era uma casamento de fato! Sinto muito se o que está sendo dito agora está trazendo constrangimento a alguém, mas a verdade precisa ser dita (com zelo e amor) e que sirva de alerta para muitos e muitas, para que corrijam suas relações amorosas diante de Deus. Pode até haver o amor sincero entre vocês, porém, para Deus, isso não é suficiente para que se declarem casados.

    Abro parêntese: “A igreja é um local de renovação de esperanças, mas também é de exortação”. Fecho o parêntese.

vs. 20 e 21A mulher ainda estava com a cabeça movida pelas tradições. Ela não mais tinha dúvida de que Jesus era um profeta (ver v. 19), acreditava em suas palavras, porém, a esfera espiritual, para ela, ainda estava atrelada a algum tipo de tradição. Ela ainda acreditava que existia um local certo para se adorar: “Nossos pais adoraram neste monte, e vós dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar”. Antes, um adendo: se perceberem a narrativa do diálogo entre Jesus e a mulher, em nenhum momento se vê Jesus falando que “em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar”. Além de o julgar pela região onde habitava (Judeia), quis colocar palavras na boca de Jesus. Ruídos de comunicação acontecem a todo instante.

     Muitos agem como essa mulher: ainda acreditam que a igreja A ou B é a certa, que Deus só recebe a adoração e escuta seus clamores naquela denominação ou templo. É um tipo de religiosidade, algo que deve ser banido da mente de muitas pessoas. E foi nesse intuito de banir essa percepção que Jesus declara: “Mulher, crê-me, a hora vem, em que nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai”. Jesus deixa claro que a adoração não é amarrada a algum tipo de local, tradição. A verdadeira adoração é algo que vem de dentro, e isso fica evidenciado nos versículos 23 e 24. Basta nos lembrarmos da silenciosa oração de Ana (1Sm 1. 13), que pediu a Deus um filho, e pediu no íntimo de seu Ser. Quando nós só recorremos a Deus – e não para outros deuses simultaneamente, como faz a igreja católica – para a solução de nossos problemas, isso é uma forma de adorá-Lo, pois reconhecemos a suficiência de seu poder, misericórdia e benignidade para nos ajudar.

v. 22Talvez achemos que Jesus esteja sendo territorialista ao declarar isso. Porém, não se trata de sectarismo algum. Conforme diz o estudioso Norman Champlin, a expressão “vós” se refere tanto aos samaritanos como aos judeus que não o reconheciam como Deus; e “nós”, aos cristãos.

     E ao dizer que “a salvação vem dos judeus”, Jesus destaca a função histórica de Israel e não ao Israel espiritual.

vs. 23 e 24 – Uma das mais famosas declarações bíblicas em que vemos ser cantadas em diversas canções. “Em espírito, em verdade, te adoramos, te adoramos”. Isso manifesta o caráter interior da adoração. Os judeus costumavam (e ainda costumam) adorar a Deus nas praças, no muro das lamentações, fazendo vãs repetições e gritando suplicas a YHWH. Muitas igrejas que se dizem cristãs seguem o mesmo erro, costumam adorar e clamar aos gritos e com manifestações corporais exóticas.

     Deus não procura performances da adoração. Ele quer que o adoremos em espírito – que o adore com fé, creia que Ele é Deus e galardoar dos que o buscam (Hb. 11. 6) – e em verdade – sendo seu amigo, fazendo o que Ele manda (Jo. 15.14).

v. 25 – Até aquele momento a mulher acreditava que ele era um profeta (v. 19), mas jamais poderia imaginar que estava falando com o próprio Cristo (que significa Messias), aquele que viria libertar judeus e samaritanos das garras do pecado, de satanás, e da morte eterna – e quero crer que se houvesse aceitação e reconhecimento por parte dos judeus de que ele era o messias, os libertaria também do poder dos romanos, já que essa era a maior esperança dos judeus, um libertador político.

vs. 26 – Jesus declara ser este messias. Fico imaginando a mescla de susto e surpresa que aquela mulher teve. Mas o que mais me chama a atenção é o caráter pessoal de Deus: “... eu que falo contigo”. Nosso Deus é um Deus pessoal. Como bem disse Ed René Kivitz, em seu livro “O livro mais mal-humorado da bíblia” (fazendo referência ao realismo de Eclesiastes):


Na tradição espiritual judaica, Deus não se apresenta como 'Deus dos rios, sol e vento', mas sim como 'Deus de Abraão, Deus de Isaque, e Deus de Jacó'. Na hora de se identificar ele escolheu citar nomes de pessoas e não de objetos naturais” (p. 8, 2014).


     Pode nos parecer estranho, mas como pode o criador do universo (com as suas bilhões de galáxias), dos céus, da terra, do mar e de tudo o que neles há, falar comigo? Eu não sou nada perante o universo. O ínfimo dos ínfimos! Mas Ele não apenas fala, como melhor que isso: tem a intenção de iniciar um diálogo conosco.

      Foi o que vimos acontecer com a mulher samaritana (v. 7) e em tantos outros exemplos bíblicos. Portanto, busque-o, mas busque-o de todo o coração, pois o acharão se o buscardes de todo o coração (Jr. 29. 13).





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